Uma senhora de idade

Uma senhora de idade

Recebi em casa a visita de uma senhora de idade, por pouco tempo, mas o suficiente para conversarmos muito e, para mim, observar o quanto a vida é um sopro ou uma brevidade talvez; uma magnífica aventura, sob os olhos da dignífica senhora de mais idade. A idade é muito mais mental do que física (dizem os jovens e os otimistas), a mente conduz o corpo, não temos que temê-la, viver o dia-a-dia e não pensar na velhice. Fácil assim. Ficar velho é o doloroso castigo que podemos fugir e ( ou ) fingir. Essa senhora ensinou-me que fingir é um ato e fugir uma opção falsa, não há coluna que não se vergue e costas que não doam, memória que não falhe e solidão que não nos persiga. Viveu uma vida dura com um marido apegado, filhos muitos, parentes demais, amigos de menos, trabalho mental enorme e emocional absurdamente lapidado em lágrimas escondidas e frustrações absurdas. Sorriu e ainda sorri, acha graça em estar ainda viva na fé em cristo salvador e na sua grande autoestima. Mulher de garra e de briga, doce como o mais delicioso doce de coco verde, verde, verdade hoje ainda! Não tem a postura de antes: a cervical se curva para frente, cansada; mas com sua altivez ela compensa seu perfil de idosa: uma rainha, de olhos muito verdes na eterna esperança da vida eterna. Hoje vive um dia após outro com seu terço para rezar no quarto solitário da viuvez recente, tem problemas, tem filhos adoráveis, tem os pés doloridos para caminhar, tenta acompanhar as novidades, a internet, o celular que toca e não responde seus frágeis toques na tela, tem muita vergonha de não saber mexer nesses aparatos infernais, adora uma novela, tem saudades do bom e velho telefone com fio e disco, do velho e eterno Chacrinha. Hoje luta contra uma surdez pequena que embaralha sua audição e maltrata sua vaidade: “surda eu? Não! Seu pai é que era surdo!”. Ronca no cochilo da tarde: “eu nunca ronquei! ", e se acha muito ativa ! Disfarça muito bem suas rugas e diz "nunca fiz plástica”, toda feliz! Aquela amiga que fez se arrependeu, ou pior: " ficou sem expressão ". Duro é suportar os convites para ser jovem novamente! " Mamãe vai virar a noite dançando ", pensam as filhas, e todos acham que ela é ainda o eixo e esteio da família, a toda poderosa de sempre, a mulher de fibra , um porto seguro.

Aprendi em uma semana o valor da boa conversa, da simples razão de não ter razão, do riso frouxo e da boa mentira! O amor, sim, esse cidadão se fez presente; tudo estava centrado nele, no querer viver bem, nas poucas e roucas palavras, na desobrigação de se entender, em alguma desordem mental que só traz alegria ao viver, sem a obrigação de acertar, sem cobranças. Fico feliz em participar da vida dessa senhora de idade, sem idade, de aprender a contabilizar o nada, só querendo receber carinho e dar um algo mais que poucos podem entender: o justo compreender que nada faz sentido sem o que já fez muito sentido, que o passado é a única moeda que temos para dar em troca aos que ainda se sentem jovens, e que, é nessa moeda que eles também vão pagar esse preço.

Roberto Solano
Enviado por Roberto Solano em 30/08/2015
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