Helena e o Cálice de chuva de lágrimas

Ela estava triste. Havia uma penumbra em seu olhar, feito nuvem carregada em dia de chuva. Ela entrou em silêncio. Não me cumprimentou como sempre fazia. Eu estava sentada no mesmo banco onde costumava espiar o por do sol. Desta vez, nem o astro rei apareceu... É como se tudo estivesse cinza naquele dia. Sentou-se ao meu lado com ar de quem quer afago. Suspirou. Tirou os óculos e fitou o olhar para o horizonte fixamente, como se ninguém mais além dela estivesse ali. Degustei lentamente os amendoins que estavam no final do saco. Respeitei a sua distância. Um pombinho pousou pertinho de nós e ficou por ali, bicando migalhas quase aos nossos pés. Estávamos imóveis. Permanecemos assim por um longo e tempo. Até que o som de seu suspiro finalmente quebrou o silêncio. Dessa vez ela me olhou, esbouçou um riso amarelo e perguntou: “Você já chorou até adormecer alguma vez moça?” - Como não? Mas hesitei antes de respondê-la. Ela era tão intensa, volátil, astuta... Temia que minha resposta não fosse o eco que ela desejava merecidamente ouvir. Então usei a estratégia da antiga filosofia socrática que pregava responder com outra pergunta. “Você já desenhou na areia lavada depois de uma tempestade?”- Pausa. Colocou os óculos, tomou ar de firmeza e soltou: “Sabe moça, uma vez eu senti uma dor tão grande que chorei até a alma desidratar. Depois percebi que as lentes dos meus óculos estavam manchadas. Tirei do rosto para olhar através delas, mas como nos desenhos de ilusão de ótica de Shakespeare, as lágrimas tinham secado e formado de lado um cálice, de outro rabiscos, semelhante a chuva desenhada em papel e grafite. Mas o cálice estava seco. A chuva também. Desenhar na areia da tempestade é a mesma coisa moça. A gente é capaz de enxergar a forma que tem a nossa dor. Um cálice de lágrimas de chuva.” -Ela sorriu bonito. Levantou-se, arrumou o sobretudo bege, tirou uma folha seca do cabelo e acrescentou: “Ninguém bebe um cálice de lágrimas. Ele sempre estará vazio depois do choro. O cálice, a gente enche de vinho e celebra a vida... a alegria, moça.” Dito isso, saiu de forma enigmática, como tem sido todos os nossos casuais “desencontros”. Sai depois. Mas no caminho, de volta para casa, fui pensando na possibilidade de tomar um vinho e ouvir uma música que não me deixasse sentir a umidade da garoa que começava a cair. Lágrimas nos óculos... cálices, rabiscos... Fiz um belo desenho.