Falta de juízo, eu?! (EC)

Juízo é o que não nos falta. Fazemos juízo de valor sobre tudo a todo o momento.

Este ano, por ocasião do relançamento de “Mein Kampf” (“Minha Luta”, em português), houve muita discussão sobre o mal que um livro pode causar. A discussão foi além do conteúdo, alcançando a forma utilizada pelas editoras no Brasil para divulgação comercial da obra, cujo autor morto há 70 anos, sem descendentes para cobrança de direitos autorais, é nada mais nada menos que Adolf Hitler. Vale a pena lucrar com esse tipo de obra?

Pelo que pude observar das discussões contra a propaganda maciça da obra, as preocupações variavam desde a falta de experiência de leitura de pessoas mais jovens e, portanto, mais influenciáveis, a promoção do ódio nesse momento de instabilidade política no país. Contra a proibição da publicação levantou-se a bandeira da liberdade de imprensa.

Os argumentos de ambas as partes são sustentáveis. De um lado, temos a capacidade de convencimento de Hitler que induziu milhares de pessoas de que era justo não só a morte como o massacre de tantas outras... E isso tudo sem televisão ou internet!! Convence, também, o argumento da liberdade de expressão que todos temos, em igual medida, ou deveríamos ter. Nesse caso, há proposta de edição anotada com esclarecimentos contrários ao nazismo para fins de estudo.

Minha surpresa foi constatar que os promotores do debate não haviam lido nem as páginas iniciais de “Mein Kampf”, disponível na internet. Aí, me indaguei, quanta presunção de malignidade será válida em nossos pré julgamentos desta e de outras questões. Nesse caso, em que somos conhecedores dos acontecimentos terríveis da História, a presunção pode ser de fácil justificativa, uma vez que a venda do livro sem qualquer comentário ou advertência poderia ser tida como apologia ao nazismo.

Ao ler o texto de "Mein Kampf" no início nos deparamos com questões autobiográficas de um menino filho de pais e avós pobres, que viria a ficar órfão aos 15 anos, tendo passado fome em Viena pelos próximos cinco anos, situação que faz qualquer personagem ganhar a simpatia do leitor. Sem querer fazer propaganda do texto, nas primeiras cinquenta páginas percebemos no discurso a apelação publicitária utilizada ainda hoje por pessoas públicas.

O bom é que quem tiver maturidade suficiente para ler o texto não precisará ir muito longe para desmascarar o vilão, pois a ideia de genialidade que alguns atribuem a Hitler cai por terra logo após a página cinquenta quanto ele começa a falar "m".

Quem frequenta as redes sociais verifica, junto com o bombardeio de informações, que todos julgam a tudo e a todos, transformando os meios de comunicação num tribunal gigantesco. Em nome do discutível bom senso, torcemos a brasa para o nosso lado quando cremos estar certos e, a nosso (pre)juízo, sempre estamos. Assim, quem torce para o time "X" irá encontrar motivos para encaixar sua tese a favor do time "X" independentemente dos fatos (torcidos e retorcidos), valendo o mesmo para o time "Y", num juízo primário para o sustento de nossas opiniões pessoais.

"- Vaidade, definitivamente meu pecado favorito". Disse o personagem de Al Pacino no final do filme "O Advogado do Diabo".

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Falta de Juízo

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