Uma mensagem na garrafa (EC)

Hoje acordei com uma ideia tola – pensei em produzir uma mensagem para colocar numa garrafa, jogá-la ao mar e, quem sabe, ser encontrada um dia por um náufrago, um viajante, um passante. Mas o que valeria a pena dizer?

Dizer quem sou, o que aprendi ou vivi? Não, acho que não interessa. As minhas experiências não servem para mais ninguém e as minhas verdades são só minhas, quaisquer pessoas podem duvidar delas. Também não tenho talento para escrever texto motivacional ou de autoajuda – não acredito em receitas prontas, as poucas vezes que me atrevi a fazer um bolo eu acrescentei um tanto de mim às receitas.

Pensei em formular uma máxima, a exemplo de Spinoza “Não rir, nem lamentar-se, nem odiar mas compreender. Mas, falta-me talento, prefiro, assim, deixar para gente sisuda.

Imaginei um sermão, lembrei do Pe. Antônio Vieira “Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Poxa! Muito embora este seja um texto impecável, discordo da tese apresentada. E sermões não me cabem bem, precisa ser possuidor da arte da persuasão, da qual sou destituída. E a bem da verdade não tenho o desejo de convencer a alguém de coisa alguma.

Relembrei um poema de Pessoa, caberia bem numa garrafa “Nem sempre sou igual no que digo e escrevo. /Mudo, mas não mudo muito. /A cor das flores não é a mesma ao sol/De que quando uma nuvem passa/Ou quando entra a noite/E as flores são cor da sombra. /Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores. /Por isso quando pareço não concordar comigo, /Reparem bem para mim:/Se estava virado para a direita, /Voltei-me agora para a esquerda, /Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —/O mesmo sempre, graças ao céu e à terra/E aos meus olhos e ouvidos atentos/E à minha clara simplicidade de alma...”. Maravilhoso esse poema, diz o que gostaria de dizer – a essência permanece ad infinitum. Mas o texto não é meu!

Desejei imitar Drummond, poetinha querido, talvez mais alguém pudesse gostar de Science Fiction, poemeto divertido, que traz uma verdade inaudível ao questionar sobre a essência do ser humano. Diz assim: “O marciano encontrou-me na rua/e teve medo de minha impossibilidade humana. / Como pode existir, pensou consigo, um ser/que no existir põe tamanha anulação de existência? /Afastou-se o marciano, e persegui-o./ Precisava dele como de um testemunho. / Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se/no ar constelado de problemas. /E fiquei só em mim, de mim ausente.”

Poderia ser Quintana, mais fácil, divertido, veja só: “Todos esses que aí estão/Atravancando meu caminho, /Eles passarão.../Eu passarinho!”.

Quem sabe Clarice, num tom íntimo: “O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição”.

Cheguei à conclusão que ficaria tão mínimo, vergonhoso, o plágio é sempre reprovável!

Eu não seria, pois, capaz de compor uma mensagem especial para destinar à posteridade - não sei versejar, nem compor receitas, tampouco máximas, sermões....

Talvez – só talvez -, rogando aos céus, eu pudesse dizer:

“Sobrevivi,

- do princípio ao fim -

a tudo que vivi.

E basta!”

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Uma Mensagem na Garrafa

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