A ÁFRICA E OS AFRICANOS

A ÁFRICA E OS AFRICANOS

Marcial Salaverry

Sem dúvida alguma, viver na África, é uma experiência incrível na vida de qualquer pessoa.

Quando falo de viver, não quero dizer somente fazer turismo, passear, fazer longos e deliciosos safáris, quero dizer, morar, trabalhar, conviver com o povo, pois o verdadeiro fascínio da coisa está nessa convivência. Está em ver como vivem povos diferentes. Aliás, uma diferença enclntrada em todos os pontos de vista.

O africano tem uma maneira toda peculiar de encarar a vida, que sempre chocou os europeus, e a grande luta dos colonizadores sempre foi a tentativa de mudar radicalmente esse modus-vivendi, tentando insanamente europeizá-los. Por que, europeizá-los? Foi esse o grande erro, pois se talvez se tivessem tentado, não impor o modo europeu de vida, mas sim fazer uma adaptação entre as duas culturas, a coisa tivesse transcorrido melhor. Possivelmente os africanos teriam aceitado melhor a intromissão européia. E não teriam ocorrido tantas lutas, tantas desgraças.

Vamos por partes.

Inicialmente, poderemos falar do item TRABALHO, um dos pontos nevrálgicos da coisa toda. Inicialmente houve a questão da escravidão, fator determinante do revanchismo que sempre marcou o relacionamento entre europeus e africanos, estes, sempre vendo os europeus como carrascos, de chicote na mão. Durante a época colonial, os africanos continuavam a ser considerados como “peças” . Eram remunerados pelo trabalho executado, mas os salários eram irrisórios, mal suprindo as necessidades mais comezinhas. Isso só provocava mais ressentimentos, pois os europeus recebiam salários elevados, e pouco trabalhavam, e os africanos vendo essa disparidade, viviam permanentemente revoltados, e bastava que alguém acendesse um pequeno estopim, e teriamos mais derramamento de sangue.

Esse foi um dos fatores preponderantes que podem explicar tudo o que aconteceu depois.

Outro item crucial, foi a RELIGIÃO. Os africanos sempre foram politeístas. Cada força da natureza, cada curva de rio, cada doença, cada estado de ânimo, tinha seus deuses. De repente vem essa gente querendo nos forçar a aceitar que só existe um Deus? Uma minoria aceitou o trabalho missionário, todavia, só por causa das regalias que a vida nas Missões lhes proporcionava, porém, jamais aceitaram a crença religiosa que lhes era imposta. Externamente, concordavam, e sabendo que teriam uma refeição, assistiam às aulas de catecismo, e submetiam-se às cerimonias de batismo e crisma, mas no recôndito da alma, continuavam pagãos. Essa insubmissão espiritual, iria custar caro aos missionários depois.

Quanto à VIDA FAMILIAR, é realmente um caso bem à parte, pois aí não houve maneira dos europeus conseguirem mudar o modus-vivendi africano. Poligâmicos toda a vida foram, e poligâmicos continuaram... Cada africano poderia ter cinco esposas, com todas vivendo sob o mesmo teto. Essa condição ficou imutável. Aliás, os europeus bem que tentaram convencer as européias de que tal sistema poderia ser adaptado, mas também nesse intento, não lograram êxito... Não se sabe bem porque elas jamais concordaram com o politeismo.

Bem, quando começaram a estourar as guerras coloniais pela África, foi um rastilho de pólvora que acendeu todo o Continente Africano. Em pouco tempo, ingleses, franceses, belgas, portugueses, viam suas colônias ardendo nas lutas pela independência, e essa luta foi cruel a extremos, já que os africanos pilhavam e incendiavam tudo o que estivesse em seu caminho, fossem fazendas, missões religiosas, estabelecimentos comerciais. Enfim, tudo o que representasse o poder do colonizador.

Os europeus que não conseguiram fugir, foram submetidos a terríveis sevícias, com a explosão do ódio acumulado por longos anos de humilhações. Mas isto todos sabem, foi noticiado à farta na época.

Vamos falar das conseqüências. Após as revoltas, após a retirada dos colonizadores, restou o caos. Os africanos viram-se com o poder político nas mãos, e não sabiam o que fazer com ele... Não tinham recursos para administrar os países recém independentes. E daí ? Somos independentes, mas vamos morrer de fome... Não sabiam como extrair os enormes recursos das reservas minerais (diamantes, ouro, cobre). Não sabiam como administrar a coisa toda. Só haviam sido preparados para obedecer ordens, e não souberam se preparar para a tão sonhada independência.

Aí, então, mudaram os patrões. A grande maioria dos países africanos teve que se submeter ao domínio econômico de outros patrões. Todavia, continuavam como senhores políticos.

Nesse ponto, ficou patente outro e grave problema. Quando da divisão da África entre os países colonizadores, estes tiveram a habilidade de fazer uma divisão que jamais permitiria a nenhum país africano ser uma nação coesa e una. Vejam como foi.

Existiam na África algumas grandes etnias, as quais se subdividiam em diversas mini-tribos. Essas grandes etnias sempre foram rivais. Espertamente, os colonizadores dividiram essas etnias por países diferentes, quebrando a união que poderia existir. Não satisfeitos, colocaram dentro de um mesmo país, dois, três ou quatro grupos étnicos diferentes e antagônicos, que sempre se guerrearam (haja visto as constantes guerras tribais que sempre assolaram a África).

Tal medida bloqueou de maneira total e completa qualquer possibilidade de alguma nação africana viver em paz e ter progresso. A desunião interior de cada País sempre impediu seu desenvolvimento, pois a rivalidade tribal é intensa.

Bem, a situação pós-independência, obrigou as nações africanas a chamar de volta os europeus expulsos. Agora, não mais como senhores feudais, mas sim, como administradores, consultores econômicos, consultores políticos, consultores militares, comerciantes, industriais. Enfim, mudava o rótulo, mas a situação persistia a mesma, ou seja, os europeus ficavam com a parte do leão (africano) na fatia econômica, e os africanos continuavam com o trabalho pesado.

Foi por essa época que, por circunstâncias da vida, desembarquei em Kinshasa, capital da então República Democrática do Congo, para viver uma das mais emocionantes e interessantes experiências de vida que poderia ter vivido...

Marcial Salaverry
Enviado por Marcial Salaverry em 01/05/2016
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