Einstein, teoria da relatividade e o telemarketing

Quando o sujeito tá atrasado, tudo ao redor parece resolver atrasar também...

Aquele dia começou comigo esgueirando do sol debaixo de um ponto de ônibus que, de tão velho, parecia estar prestes a desabar sobre a minha cabeça a qualquer momento. O ônibus, que eu esperava estava demorando tanto, que me restara como distração apenas observar sonolento e nauseado, as nuvens que se formavam para chuva no horizonte a minha frente. Quando ele finalmente chegou, o motorista velho conhecido, não era, digamos, um Michael Schumacher, e sim totalmente o oposto disso, no caso, um Rubinho Barrichello mesmo. Estavam à minha frente na fila umas cinco pessoas ao todo. A primeira da ponta era uma tiazinha, que mais uma vez deixou pra pegar a passagem pra pagar o ônibus no momento de passar a catraca. Ela revirou a bolsa cheia de coisas das quais certamente nunca usa, a procura da bolsinha onde acreditava se encontrar a bendita passagem. Após alguns minutos de procura ela acha a bolsinha, mas descobre que a passagem não estava lá dentro. Outra vez torna a revirar a bolsa grande, na esperança de encontrar a carteirinha solta nalgum lugar por ali. Logo algumas pessoas da fila começaram a reclamar. “Puta que me pariu meu! Não dava pra ter pego antes”. Cinco minutos depois ela lembrou que esqueceu o cartão da passagem em cima da geladeira...

No meio do caminho, fora o transito a se perder de vista, havia acontecido um acidente entre dois carros, e para piorar ainda mais a situação, desabou a chuva que a pouco meus olhos previram. Uma chuva daquelas de transbordar rio tiete. Eu tinha pouco mais de meia hora para atravessar a cidade. Os caras do acidente insistiam em discutir sobre quem iria arcar com o prejuízo e quem era o culpado. De repente um daqueles guardas gordo e preguiçoso surgiu para apartar a briga. Após muita discussão, os carros foram afastados para o acostamento. Seguiu-se a fila infinita de automóveis. O motorista do ônibus deixava todo mundo passar a sua frente. Ele era um desses motoristas que adoram pisar bruscamente no freio causando solavancos o tempo todo, sabe. E eu era um dos que estavam em pé, balançando pra lá e pra cá. Cheiros de diversos tipos de perfumes se misturam no ar. Eu, nauseado e embriagado por conta dos solavancos e dos aromas de perfume, viajava com pensamentos estranhos. Pensamentos do tipo: “Einstein criou a teoria da relatividade quando ele trabalhava em um telemarketing. Porque ali sim o tempo é relativo. Às seis horas e vinte mais longas da minha vida”. Eu estava a caminho daquele inferno, e mesmo ciente de que não devia estar lamentando tanto assim, pois existem empregos bem piores do que aquele meu de atendente de telemarketing. Mas acontece que todos os dias o supervisor, ou pedia pra fazer umas horinhas extras ou dobrar. “Pois é, mas ninguém pede pra você chegar atrasado ou faltar um diazinho pra descansar um pouquinho né.”

Meus ouvidos mesmo sem querer ouviam a conversa de dois carinhas. Um dizia ao outro: Um dia desses chegou uma tia lá na loja e me chamou para o lado de fora pra dizer que estava chovendo. E eu disse pra ela, “sim, estou vendo”. E ela retrucou, “está caindo do céu viu”. E eu respondi, “sim, está caindo do céu, a senhora quer que eu pegue a chuva com a mão e a coloque pra de dentro da loja?”

Você não vê a hora de estar de folga novamente. Mas, não como ontem. Pois você encheu a cara e apagou igualzinho como quando alguém aperta um interruptor e a luz que iluminava a pouco, transforma-se em escuridão total. Até agora você não sabe o que aconteceu na noite passada, mas acredita ter sido após aqueles ultimas três doses. Também não era pra menos, já havia jogado pra dentro duas garrafas de vinho e mais não sei quantas latinhas de cerveja. As três derradeiras doses de sabe se lá Deus o que, foram tiro e queda, blackout.

E sempre assim, na manhã seguinte após ter reacendido, como das outras vezes, se já não bastasse à ressaca física que lhe causa um mal estar horrível, sua agonia piora cem vezes mais com a ressaca psicológica. Brigou com alguém? Falou algo que não deveria? Encheu muito o saco? Por onde esteve? São nesses momentos que se sente parte de uma letra de música do Matanza.

Você continua Tentando puxar na memória algo sobre a noite passada, principalmente como é que foi parar naquele sofá ainda de sapatos nos pés, o corpo todo troncho, quase no formato de um “S”, um dos motivos da baita dor nas costas que sente no momento. Na angustia vem a sua mente um poema de Maiakovski, homenagem a um amigo que acabara de suicidar-se, que em certo trecho diz, “antes morrer de vodca do que morrer de tédio”. Mas, Convenhamos que morrer afogado numa garrafa de bebida não é tarefa tão fácil assim. Ainda mais quando sucedem esses malditos apagões.

Há quem diga que você age de forma vexatória, banca o idiota nalgumas dessas ocasiões. Mesmo relutante você concorda que às vezes faz merda, mas que mal tem em quebrar a rotina com uma cagadinha de vez em quando né mesmo?

O ônibus não andou mais do que um quilometro. A ressaca parece querer revirar seu corpo ao avesso.

Um carro da polícia cruza a avenida a toda velocidade para atender alguma emergência. Mas qual, o almoço, pegar a propina ou o fim de expediente? Uma mulher a sua esquerda, sentada no banco ao lado do marido, avista um homem maltrapilho que vai a poucos metros à frente e comenta:

“Meu sonho é puxar uma carroça debaixo de um sol escaldante como esse que está fazendo hoje. Igualzinho aquele senhor que vai ali, feito um cavalo de duas patas”.

Diz essas palavras em tom de piada, talvez até mesmo sem maldade, mas com a expressão no rosto claramente satisfeita por não ter realmente que se prestar a tal serviço penoso. Faz essa brincadeira jocosa sobre o sofrimento alheia, com a intenção de divertir os que estão a sua volta e ao mesmo tempo reafirmar a boa sorte que teve até então. “Em toda sua vida nem passou perto viver uma situação parecida com aquela do homem cavalo”.

Eles chamam um a outro por amor. Palavra essa que parece submergir direto do estomago, e que eles evacuam pela boca a todo instante.

-Ei a cara, você entrou no lugar errado, aqui é o ônibus, não o caminhão do lixo.

-lixo é seu pai, seu filho da puta! E riram os dois juntos.

-Ás vezes dá um ódio cara. Dá vontade de entrar ai com oitão e quebrar tudo, computador, bancada, atendente, médico e tudo mais que tiver pela frente. A comida na cadeia não é tão ruim assim não viu, aliás talvez seja até melhor do que essa que a gente come lá na firma.

-Pior que é mesmo. E ainda de graça. Disse o outro sujeito que estava próximo.

Após ter ouvido essa última conversa, desci do ônibus e fui encarar as minhas 6 horinhas infinitas de atendente de telemarketing. Um mês depois pedi demissão. Hoje em dia eu não bebo mais também. Cansei das ressacas...

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 29/05/2016
Reeditado em 28/01/2018
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