CRISTA DE GALO


Um dos dias da semana mais feliz em minha infância era sábado.
Preparava-se para o almoço de domingo galinha gorda ou galo (frango velho) do galinheiro que havia no terreiro (pomar e granja no interior de Minas Gerais). Também era feito arroz-doce, doce de leite ou ambrosia-dos-deuses. A tarde sabática era um festejo preparatório para a domingueira que seria brindada com jantarada (almoço servido na metade da tarde de domingo).
Pelo almoço de domingo ser servido muito tarde – era uma tortura a espera – eu gostava mesmo era dos cheiros do sábado: galinha cozida à pressão, leite fervendo no caldeirão para os doces e canela – ralada ou a casca cozinhando no leite. E cravo para o doce de ovos. Eu preferia os ovos nevados.
 
No lanche da tarde era separada para mim – especialmente para mim – a crista se o galináceo abatido fosse o macho velho. Simpatia trazida da fazenda e repassada pelos terreiros da senzala caprichosamente guardada na memória de minha babá.
“Por que eu tenho que comer isto?” indagava a curiosidade infantil.
- É simpatia pra menino não mijar na cama e crescer feito macho!
A crista era temperada com “sadealho” e assada na brasa do fogão a lenha. Era o meu churrasco comido com pão de sal e  bebendo  café-com-leite para não engasgar. Limpava-se a boca com guardanapo de carinho  daquelas mãos dicromáticas: negro nas costas e pardo na palma.
- Eu vou amassar a broa. Ocê vai querer raspar a bacia?
Enquanto eu lanchava minha exótica merenda,  na bacia culinária era posto ovos, fubá, erva-doce, farinha, bicabornato e leite. A colher de pau começava a girar. Tem que mexer em um sentido só. Se mexer o contrário a broa desanda.
O relógio velho de meu avô batia anunciando às 16 horas.
Está na hora de menino tomar banho. A água estava já fervendo na serpentina e janelas e portas fechadas para não “pegar friagem”.
Banho tomado. Proibição de sair ao terreiro ou jardim.
- Só pode ficar na varanda para ver a rua.
Era a ordem!
Anoitecia e o rádio era ligado.
Rezava-se a avemaria.
Depois veio a televisão e eu queria mesmo era assistir a Elisângela no Clube do Capitão Furacão.
Depois o Túnel do Tempo.
Depois a Terra de Gigante.
E o TARZAN fechou as tardes infantis de meu sábado.
...
Liguei a internet.
No sítio virtual a enorme fotografia de CRISTA  DE  GALO fez o menino mimado gritar dentro do homem velho:
- Olhe! CRISTA DE GALO!!!
As portas e janelas foram abertas escancaradamente.
 
A memória pôs para fora  todos os cheiros,  sabores e pessoas  do relicário de minha história.
 

É dia de rezar minhas crônicas.
 



Leonardo Lisbôa,
Barbacena, 25/08/2016
   
 
 

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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 25/08/2016
Reeditado em 25/08/2016
Código do texto: T5739725
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