_______Socorro, Minha Veia Sumiu!

 
Dia de tirar sangue. Ansiedade: ninguém gosta de agulha na veia. Eu também não. Mas, vamos sem muito drama... Afinal, quem passa por esse mundo, sem um examezinho de sangue de vez em quando? Na verdade, de vez em sempre, pois hoje em dia os médicos não dizem “A” sem  uma listona de exames, é ou não é?


Passo o dia lembrando que não posso comer após às 18h30. Isso não faria a menor diferença em outros dias, não neste, em que preciso jejuar por 12 horas. E o medo de não aguentar? Nunca vi tanta bobagem, mas é bem assim. Se é proibido comer, aí mesmo que a gente fica doida por uma maçã, uma pipoca, uma bolacha... Tudo bem, somos assim absolutamente contraditórios.

Na hora limite para encerrar as comilanças do dia, quem diz que me lembro? E aí vai mais um pão com patê, totalmente fora de hora. Que susto! Pronto, atrapalhou tudo, porque agora o exame tem que ser feito mais tarde. Paciência. Ninguém vai morrer por causa disso.

Chego ao laboratório junto com as moças do jaleco branco. Abrem as portas e os sorrisos, vão acolhendo todo mundo. Começam a chamar por ordem de chegada. Uma moça morena, de cabelo comprido — Selma, leio no crachá — me convida à sala de coleta e me indica uma cadeira. Faz as perguntas de praxe, anota tudo num prontuário.  À medida que consulta o pedido dos exames vai selecionando garrafinhas de diversos tamanhos. Tremo na base só de imaginar o sangue necessário para encher todos estes frascos. Por isso, que tem gente que desmaia... Com razão.

Selma é jeitosa no trato, supereducada. Pede licença pra amarrar o garrote, abranda sua penosa função, usando diminutivos: estica o bracinho, fecha a mãozinha, é só uma espetadinha. Elege meu braço esquerdo e com a ponta do indicador garimpa minha veia, comentando baixinho:

— Hum... Tá meio difícil...

  A moça  vai dando umas batidinhas bem leves à caça da veia fugitiva. Depois de sondar taticamente sem lograr êxito, ela desiste. Diz que vai experimentar o outro braço e a operação se repete. Garrote  no braço direito, vai procurando a veia aqui e ali, até que declara peremptória:

 — Sua veia sumiu!

 Sumiu? Como assim, Selminha? Não me conformo. Com que direito minha veia tira o time de campo, justamente em dia de tirar sangue? Aí, não! Que papelão! A moça está mais ansiosa que eu, quando anuncia:

— Vamos ver se está por aqui. Vamos ver...

 Nesse ponto algo me diz que é melhor olhar pro outro lado: o que os olhos não veem o coração não sente. Fixo um ponto qualquer na parede e passada a ardência olho meu braço. Frustrante! A veia não foi capturada. A ideia é ir procurando com a agulha? Jesus! Confesso que não me sinto preparada: uma coisa é a picada inicial, o susto e pronto; outra bem diferente é ficar torturando com  uma agulha errante um destino incerto. Quero resistir, mas não posso, e desabafo:

— Puxa, isso nunca aconteceu antes! Toda vez é tão facinho!

Será que Selma entende a mensagem? Quero mesmo é deixar claro que estou percebendo a dificuldade. Ela fica toda sem jeito, mas sem jeito também está a situação. Paira no ar a inabilidade profissional... O  constrangimento também. Por fim, ela justifica que no inverno costuma acontecer. É? Poderia até ser, se estivéssemos no inverno. Não estamos...


De súbito, ela resolve migrar novamente para o braço esquerdo. Por um golpe de sorte, minha veia resolve decretar  fim de exílio. Milagre! Na seringa a primeira gotinha de sangue dá o ar da graça e a coleta flui, com um suspiro aliviado... Meu e de Selma, claro.

Pois bem... Tudo tem seu lado bom, como não?  A demora toda — mais de dez minutos contados no relojão da parede — só ajudou a completar a hora do meu jejum... Sã e salva, minha veia ressuscita e fazemos as pazes até o próximo check- up
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