LAVA-RÁPIDO E PROPINAS CELESTIAIS

Reza a lenda que encontraram meu nome numa lista de "relação-premiada de um Lava-Rápido".

É mentira. Está tudo declarado. Pedia Nota Fiscal Paulista.

Lavei sim, meu carro, algumas vezes, quase de graça. Brinde declarado de um posto de gasolina. Bastava encher o tanque com no mínimo vinte litros de combustível. Se fosse álcool, não tinha direito ao pretinho no pneu.

Questionei o fato e respondeu-me o frentista: “A esmola não pode ser demais, senão até eleitor desconfia”.

“Mas, se o senhor quiser eu passo o produto”. O patrão não pode saber.

Destaco que o posto, apesar de ter um monte de bandeirinhas de clubes de futebol pelas paredes, não tinha nenhuma da Petrobrás.

Portanto, a própria falta de bandeirinha, induzia à impossibilidade de haver algum impedimento na lavagem.

O rapaz fez rápido o serviço, como convém nestas situações.

Considerando que todo trabalhador merece justa compensação, mas também pelo “pretinho no pneu” além, ofereci-lhe algumas moedas. Nem perto de trinta. Todas de valor inferior a cinquenta centavos. Aquelas que só incomodam no bolso.

Cabe neste momento declarar que nenhum daqueles centavos fora desviado de qualquer lugar. Nem caixa de fósforo, muito menos dos cofrinhos de meus filhos. Essas coisas, sabe... tipo assim..., a nível de... sonegação de mesada.

E eu podia fazer isso.

Era o Vice-diretor financeiro lá de casa, com direito a dizer sim.

Mas, não!

Havia algo maior.

O frentista do posto tinha uma memória de elefante.

Ao negar-se receber as moedas, disse firme: “O senhor não é Pedro, o magnânimo Patriarca dos “Apóstolos de Pedro”? Ao senhor tenho apenas que agradecer! É um dever para mim colaborar com sua seita”.

Entre temeroso e orgulhoso assenti. Temeroso que fosse uma pegadinha e orgulhoso por mais alguém acreditar no Apostolado.

O rapaz prosseguiu, para desespero dos demais consumidores premiados pelo Lava-Rápido à espera de sua vez: “Homens de igrejas são pessoas do bem, não são? Oferecem milagres, perdão, riquezas, não é mesmo?”, indagou sorrindo o jovem. “Pena que eu não tenha como pagar o dízimo para receber todos aquelas coisas em troca”, concluiu, com ar de desânimo.

Olhei-o com certa pena. Era um crédulo.

Aonde fica o Templo dos Apóstolos? perguntou-me.

Guardei as moedas, desconversei e agradeci ao rapaz, seguindo meu rumo.

Essa é a verdade dos fatos.

Se esse rapaz foi pego na operação da polícia federal que lacrou o posto por adulteração de combustível e está me delatando, saibam que é tudo mentira. Nunca prometi perdoar nada, nem fazer milagres em troca de propina.

Pelos outros não respondo.

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 16/04/2017
Reeditado em 16/04/2017
Código do texto: T5972272
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