CONSUMO CONTEMPORÂNEO

De ROBERTO DRUMMOND, livro de contos “A MORTE DE D. J. EM PARIS”, Prêmio Nacional de Contos do Paraná, 1971; primeiro romance “O DIA EM QUE ERNEST HEMINGWAY MORREU CRUCIFICADO”, 1978. Em ambos os livros, ele se posiciona como ‘pop’ e fala disso com muita importância, posicionando a sociedade através de seus produtos. ----- “Pop”, fenômeno de massa - a arte pop, expressão surgida em 1956, é um fenômeno inglês e americanos: figurativa e realista; pontos de partida Londres e Nova York, próprio das grandes metrópoles, pop enraizado no ambiente urbano: linguagem pop, crítica a valores sociais, comportamento coletivo e ansiedade existencial da sociedade de consumo. ----- A literatura pop é a revelação do óbvio, o registro histórico do acontecer, a marca social das grandes massas, juventude como público específico. Alguns responsáveis pelo movimento e deflagração pelo mundo – Bob Dylan, Lennon, McCartney......... Aparecem personagens e produtos na obra de R D: Coca-Cola, hambúrguer, Gillette, Pelé, Tostão, Chacrinha, Hollywood, Kolynos, Batman, Volks, Frank Sinatra, cueca Zorba. Resumindo, o livro “DJ” é multinacional, no aspecto pop. Exemplos: “Dóia gostava de olhar o anúncio luminoso da Coca-Cola e certas noites o único consolo de Doia era aquela garrafa enchendo um copo de Coca-Cola.” “Você sabia que o Frank Sinatra tem uma cicatriz seis dedos abaixo do umbigo?” Outros produtos da sociedade de consumo são citados, como o Sabão Aristolino, a Marselhesa, a Kim Novak, (pôr) Kolynos (na escova), (limpar a máquina) Olivetti... “Frigidaire conhece o ponto fraco das mulheres (...) ficar pensando (...) atender Carla no telefone vermelho.” Recursos de persuasão bem claros na linguagem deste escritor com experiência publicitária – o anúncio tem que conhecer o comportamento das massas diante de um produto. A sociedade de consumo opera com manipulações, informação dirigida, massificação do produto e mostra como conseqüências as mudanças de hábito, idéias e ações: simpatia política de Kissinger, mito Marilyn Monroe, água-marinha Marta Rocha, fanatismo com James Bond... A técnica é o próprio espetáculo, respeitável inclusive pela sagração dos Beatles, que indicaram um caminho aos jovens do mundo todo, “faça, música!” e viraram novo produto de consumo – um novo som para os anseios da juventude, enquanto os pais se prendiam a Greta Garbo, Clark Gable, Ava Gardner... Nos sonhos de Doia, o mito era uma “rosa loura como os cabelos de Robert Redford. “...no terceiro dia depois que eu cheguei, a porta da sala abriu; era Isabel, caminhou para o sofá como a Ava Gardner...” “Você tira o filtro do Minister e ele fica como Hollywood...” Os produtos – Platinum Plus, Tek, Coca-Cola e muitos outros – são provas concretas da preocupação do escritor com a sociedade de consumo, seu assunto literário crítico a essa ideologia, persuasão oculta e centros de controle dos gostos. A canção de consumo surge então, eficaz para a coerção psicológica do cidadão-massa. Sua forma de escrever é mix literária: idéia do anúncio publicitário + a realização do sonho de adquirir ou a nostalgia de voltar sob a agressão de um novo produto. Pop é uma posição da juventude, o hoje, e os produtos da sociedade de consumo são os protótipos. ----- Livros – DJ, pop; HEMINGWAY, multinacional. A sociedade de consumo e sua conseqüente mudança são os assuntos mais comuns do escritor, coisas-fatos-ideias do nosso tempo: limpar mais branco, usar uma vez e jogar fora, sex-appeal diante do espelho: lixo! Somos a aldeia global comunicativa de Mc Luhan, Babel com luz elétrica. O antigo rádio (hoje a tevê), importante meio de massificação, a música modificando as condições de consumo, assim como a imprensa já o fizera. A Rádio Nacional e o novelista Giuseppe Ghiaroni apenas não homogeneizaram os diferentes bairros devido a diferenças econômicas, porém o rádio massificou o som. Nostalgia em DRUMMOND – em DJ, imaginava conversa com o diretor do Colégio Dom Bosco, “voz de locutor ou de galã de radionovela da Rádio Nacional” (grande mestra literária). Há uma insistência radiofônica na linguagem do escritor, ainda em DJ – “jornais receberam também radiofoto de uma mulher de óculos como Greta Garbo (...) mais jovem e bela do que Greta Garbo, quando jovem”. Bom, pop via tropicalista é tupiniquim urbano: “a terceira impressão digital na camisa azul de Fernando B. era do índio Lírio do V., de 69 anos, aparência de 54, tendo declarado, enquanto sei, transistor tocava um rock balada cantado em português e espanhol”. Rock, cancioneiro trovadoresco da sociedade tecnológica... Nostalgia em tom mítico: “a décima morreu quando o rádio tocava a Hora do Angelus”. Rádio como meio de informação, incluindo difusão de produtos, e nostalgia de todos os tempos: “Foi lido em voz alta por um locutor de rádio, a pedido do juiz, e considerado fruto de imaginação fértil, mas doentia, por um comentarista de TV”. ----- ROBERT DRUMMOND diz que deve muito à literatura de cordel, tese boa – miséria e subdesenvolvimento, ingredientes do cordel, influências culturais transmitidas em maioria via oral. Em comum os escritores pop e os cordelistas, fazendo paraliteratura (que não se enquadra como Arte) os segundos e ambos literatura anticonvencional – os escritores pop expressam uma linguagem de vanguarda para se comprovar o novo, a própria palavra, por exemplo; o cordel é uma atitude ideológica, a partir de aparente despreocupação dos problemas que atingem o povo e seu cotidiano, em contato global e social. O poeta popular é propagandista e comunicador de massa na aldeia global. Pop e cordel se identificam por colagem, mix bazar de produtos novos e notícias da vida atual, sob a forma de crítica a costumes-política-sistemas-sociedade e delícias do consumo. “Hoje um peru Sadia, no restaurante Lampião. Amanhã (...) na minha Frigidaire que conhece o ponto fraco das mulheres.........” Anúncios comprovam a irmandade ‘pop / cordel’: RD, linguagem literária dos clichês da sociedade de consumo, incluindo comportamento – anúncio da Frigidaire, filme de TV, diretor com voz de locutor /a palavrra é sempre um desafio/; cordel, rol extenso de temas – folhetos de conselhos, eros, santidade, corrupção, descaração, profecias etc. ----- Pop, também HQ, revistas ilustradas, anúncios e embalagens, o mundo do espetáculo popular, música idem, feiras de amostras, parques de diversões, rádio, televisão, tablóides, cachorros-quentes, sorvetes, tortas... ----- O Padim Ciço virou guru, Lampião um Guevara, ainda o Moleque Saci da radionovela “Jerônimo, o herói do sertão”, da Rádio Nacional, é hoje um Grande Otelo, o “Macunaíma”- nesse livro de Mário de Andrade, 1928, um anúncio: “eram as orelhas dois brincos feitos com a máquina pathek.........” ----- ROBERTO DRUMMOND, em SLMG-12/8/78: “Devo muito ao super-realismo do cordel. No meu primeiro romance, Martha Gelhort chega ao céu, mesma situação narrada na linguagem de cordel - ibérico, veio com os portugueses, realismo mágico maior que o de Borges.” Cordel, não só atitude ideológica, mas também posiciona os autores contemporâneos de cordel como legítimos representantes pop de crítica a um sistema: a sociedade de consumo gerada pela ansiedade existencial – velhos cantadores e poetas populares desaparecem, surgem os novos, diferença na linguagem coloquial e nas gírias; qualquer fato novo nacional ou estrangeiro em dias logo é registrado em folhetos de feira, estação rodoviária ou mercado público. RD faz cordel urbano. ----- “The dream is over”, de John Lennon, virou slogan de várias gerações a partir dos anos 60. Na obra de RD, o sonho e os elementos oníricos são também suportes literários; sonho transformado em pesadelo em “Hemingway” quando “numa sexta=feira da Paixão o senador Edward Kennedy, em Nova York, tem um pesadelo com o Brasil, um homem chamado Ernest Hemingway está sendo crucificado” (criminosa Martha ou a CIA?) – o sonho, neste livro, é a ansiedade política do homem atual, é gerado por todos os produtos para consumo. Também sonhos da juventude, subjugada a consumir de tudo, a todo momento... Se o sonho acabou, sobreviveu a ansiedade existencial da sociedade contemporânea: massas & out-doors. O livro “DJ” é um out-door literário. Ernest Hemingway, o real, escreveu “O sol também se levanta”, obra que o imortalizou, não como o melhor livro, mas porque foi ao encontro do espírito das gerações de 20 e 30; virou filme /nova histeria da mocidade local/ na década de 50, com Tyrone Power e Ava Gardner (musa da geração de Hemingway), ambos aparecendo depois em “DJ”. O personagem DJ vive em Paris, mesma cidade onde viveram expatriados americanos, em 1928, do livro “O sol.........” – neste, o personagem Brett simboliza a morte de um amor espontâneo e D. J. simboliza a falência do sonho.

FONTE:

“Literatura pop em Roberto Drummond – a sociedade de consumo na vida do homem contemporâneo”, artigo--estudo de Márcio Almeida – BH, SLMG, ano XIII, n.623, 9/9/78.

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