O FEDOR

Eu tenho um fedor. Eu sei que tenho um fedor.

Diante deste fato, gostaria de, em primeiro lugar, pedir desculpas a todas as pessoas que já passaram por mim e tiveram que aspirar esse terrível fedor que de mim exala.

Quero que saibam que por muito tempo eu não tive consciência do que fazia com que as pessoas se afastassem de mim. No entanto, sempre soube que tinha alguma coisa de diferente.

Na verdade, na infância, até que as coisas eram normais. Foi conforme eu ia crescendo que as coisas iam se agravando...

Na adolescência, principalmente, houve momentos terríveis. Nas aulas de Educação Física, por exemplo, eu era a última escolhida do time de vôlei sempre (e o pior é que eu jogava bem), mas vinha aquele fedor e, então, minhas colegas não me escolhiam. Eu tentava me aproximar das pessoas, mas acontecia até de elas me pedirem para sair de perto. Também com aquele fedor...

Na vida profissional, não foi diferente. Nos meus primeiros empregos, trabalhava o período de experiência e... demissão. Quem ia querer uma fedorenta trabalhando por perto? Até que em um deles eu estava grávida. A gerente do local me falou que eu não precisava me preocupar que ninguém poderia demitir uma pessoa grávida... Bem, eu não tinha me preocupado, então por que será que ela falou isso? Mas esta mesma pessoa escreveu uma carta ao RH dando mil motivos (inventados) para eu ir trabalhar em outro lugar da mesma empresa. Por que será? Só pode ser por causa do fedor.

No meu emprego seguinte, consegui permanecer por quase 6 anos. Muito bom! O segredo foi que eu ficava em uma sala quase que isolada. No início, tinha mais 3 pessoas, depois eram eu e mais 2 e, por fim, eu e mais 1... Acho que foi diminuindo o número de gente por causa do fedor.

Depois fui trabalhar no meu emprego dos sonhos: virei professora. Eu acho que meus alunos não chegaram a sentir meu cheiro. Eles até pareciam gostar de mim... Mas das minhas colegas eu não posso dizer a mesma coisa. Eu ficava lá na sala dos professores no meu horário de planejamento ou no recreio e quem se aproximava de mim? Ninguém, é claro.

Foi lá que eu tive tempo de refletir e começar a perceber que só podia haver um problema comigo. Passei por situações como uma pessoa oferecer bombons para todas as colegas, menos para mim. Combinar todo mundo de sair para almoçar e ninguém me convidar. Uma colega que me dava carona, um dia chegou e disse que não me daria mais, assim mesmo sem razão. Não aguentou o fedor, coitada...

Levantei várias possibilidades sobre o que poderia estar acontecendo. Como eu nunca briguei com ninguém, nunca destratei ninguém, nunca discriminei ninguém, após várias hipóteses descartadas, o que me pareceu mais sensato foi a hipótese do fedor.

Tive poucos amigos na minha vida, pessoas que aguentaram meu fedor, sem nunca se queixar. Foram e são pessoas especiais, que sabem se aproximar de pessoas, buscando o que há de melhor nelas, sem se preocupar com eventuais odores que possam por acaso exalar.

Ademais, peço desculpas por esse fedor. Porque é só isso que explica a distância que sempre existiu entre mim e as outras pessoas, só pode ser um fedor...

Michele Machado
Enviado por Michele Machado em 23/05/2017
Código do texto: T6007059
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