AS MANHÃS DE DOMINGO
 
     As manhãs de domingo são sempre lascivas. Talvez por isso que o domingo seja sagrado. Apesar de ser o contrário. Por ser sagrado, torna-se lascivo. Sei que falar de sagrado aqui não tem conotação do tremendo segredo que é o sagrado nas religiões. Estou falando aqui do vermelho na folhinha rota fixada na parede da cozinha ou, hoje para economizar espaço e facilitar a vida eletrodomesticada, naquele imã de geladeira abaixo do endereço da farmácia, da lanchonete ou do gás e/ou água.
     As manhãs de domingo nos convida para ficar na cama. Difícil é levantar para ir à igreja. Apesar, que ir à igreja pela manhã é melhor, pois assim se vê o futebol do nosso time, quando ele entra em campo e de fato joga futebol, nas tardes ou noites, seja em casa na TV a cabo ou no bar da esquina. Não tem como ir mais ao estádio. No meu caso, pela lonjura.
     As manhãs de domingo são lascivas pelo fato do amor acontecer em grande parte nas madrugadas desse dia vermelho na folhinha. Seja em frestas e antros da cidade, seja maritalmente na cama larga de nossas casas. Domingo pela manhã tem cheiro de água sanitária para não dizer cheiro de sêmen no ar.
     Tem feira próxima à minha casa, é verdade. Aqueles homens e mulheres, talvez, não tiveram a madrugada que em geral temos. Se acaso tiveram, foi de forma apressada. As verduras e legumes sorridentes em suas bancas talvez tenham tido uma madrugada de arromba. Mas o destino lhes reserva um fim imediato. O almoço de domingo também costuma ser mais lascivo que os de outros dias. Aquelas coxas grossas e suculentas de frango dentro da travessa bem em sua frente se oferecendo para serem abocanhadas. Aquela maionese pegajosa, lubrificada, que entra goela abaixo macio, macio. O refrigerante, o vinho ou a cerveja, tudo desce redondo e vai embuchando a gente de tal forma que sentimos o gozo após excitar fortemente o paladar.
     Mas há outras excitações pelas manhas de domingo, sobretudo em domingos de inverno, como a que faço agora. Ainda de pijama, em frente à alvura do word, rascunhar uma crônica que jamais será lida e degustada pelos olhos libidinosos de algum leitor. Mas ela, a crônica, ao descobrir-se incapaz de conquistar e ter uma relação qualquer, talvez se masturbe e torne a sua manhã fria de domingo tão lasciva quanto sagrada, mas que não se esqueça de que a lascividade é apenas um lado da moeda. Do outro lado tem a vontade de se religar com Deus. A igreja em sua castidade angelical nos aguarda de portas abertas para nos abraçar e acariciar, fraternalmente.
 
25/06/2017

 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 25/06/2017
Reeditado em 25/06/2017
Código do texto: T6036788
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