BANQUETE

Aprendi a negar-me, a não me dispor totalmente à mesa, escolho as partes que sirvo de mim, não é um egoísmo completo, apenas seleciono o que posso dar deixando os pedaços mais nobres aos santos que merecem, e aqueles não tão bons aos cães raivosos ou mendicantes. Não me doo por vã vaidade ou falso sacrifício. Poli-me no cardápio diário, posto a serventia, porém não ao paladar de todos, posso fartar tantos com migalhas, dar-me à prova com aperitivos de insidiosa intenção, quando não, causo ânsia e vômito. Uma vez ofereci-me por inteiro e abusaram de mim, fizeram-me sobras e a fome continuou além dos restos da ultrajada refeição que fui. Mofei, azedei na alegria oportunista de fungos ao sol, chorei meus talheres, enchi copos de ansiedade e engoli o amargo dos pratos vazios de emoção sem me livrar dos rastros de sobriedade. Foi difícil me reviver, me requentar em novo alimento vistoso. Hoje, ainda cedo banquetes de mim, deste eu renovado, contudo, os convidados são selecionados e suas necessidades jamais superarão, outra vez, as minhas, pois, enfim, nego-me, e facilmente de saciedade passo a ser implacável fome.