REENCONTRO COM MOZART

Diário de minhas andanças
29/03/2010



Retornávamos,minha esposa e eu,de uma caminhada matinal.
A manhã evocava uma sinfonia.Um céu profundamente azul e ao longe,muito longe,alguns resquícios de uma névoa trespassada de sol emprestavam ao começo do dia um doce ar de serenidade.
O clima e ambiente,perfeitos,para os acordes de Mozart.
Pensava com meus botões no extraordinário músico que precocemente se foi aos 36 anos de idade.
Divagava sobre o que li a respeito de seu entêrro barato,de terceira classe...
[A neve caindo e tão sòmente um cachorro vadio a acompanhar-lhe]
Triste!...Muito triste...
De repente,no meio do caminho,um pequeno espaço verde e um lindo cavalo branco pastando.A segurar-lhe as rédeas:
Êle !...
Nada mais, nada menos ,que "Mozart!"
Fomos nos aproximando e "Mozart" nos saudou amistosamente.
A sinfonia número 40 talvez,naquêle momento,fôsse o fundo musical que melhor sonorizasse o inesperado reencontro.
Convidados a entrar,a singeleza das paredes ungidas de afeto nos acolheram e "Mozart",naquêle dia,não falou de sinfonias,teatros,condes ou partituras.(Acho que nunca os conheceu).Foi aos poucos revelando-se em sua essência de um apaixonado por cavalos.Brilhavam seus olhos à cada fotografia que retirava de um velho baú recheado de histórias.Fez questão de nos mostrar as bombachas novas,os apetrechos em couro,botas e camisas coloridas que mandara confeccionar para compor os trajes usados nas suas cavalgadas que se iniciam ao romper das auroras e não têm hora determinada para acabar.
Mesmo vivendo sózinho não se considera um solitário e a energia que lhe transparece é das melhores.Apresentou-nos o seu quintal,suas plantas muito bem cuidadas.Falou-nos de seus projetos de vida e dos muitos sonhos que acalanta.
Serviu-nos chá e chimarrão e na rápida passagem que fez pela calçada dos fundos deixou à vista o seu extremado capricho.Apanhou uma flanelinha e retirou cuidadosamente um minúsculo vestígio de poeira pousada eu sua jóia rara.(um fusca 74 "inteiríssimo") ostentando no vidro traseiro um adesivo com os sugestivos (?) dizeres:"Não me inveje,trabalhe!
Entreolhamo-nos,enquanto êle lapidava a sua jóia,e milhares de conclusões viajaram no silêncio de nosso olhar.
A manhã continuava evocando sinfonias quando nos despedimos.Parado em seu portão,"Mozart" seguiu-nos com os olhos até que dobrássemos a esquina.
Naquela manhã,felizes,havíamos reencontrado o velho "Mozart".


PS."Mozart",no auge de seus 84 anos é uma fortaleza.Vaidoso,cheio de idealismos,o meu primo mais velho é o resultado da união do sangue de bugre de tio Elias e o sangue polaco de Tia Flora.
Como  esta  crônica  foi  escrita  em  2010, se  não  estou errado, Mozart tem  hoje 91 anos de plena  vitalidade.
Ei-lo nesta  foto,muito  recente, ao lado  de  sua  filha  caçula,minha  querida  afilhada Odiméia.

Para  sonorizar o  relato,clic  no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=n2QtOqf20qg


Texto  reeditado.
Preservados  os comentários ao texto anterior:



19/05/2010 16:24 - Lilian Reinhardt
Sua linda crônica faz-me lembrar vivências muito subjetivas, de que o acaso não existe, e sim sincronicidade e assim nada acontece por acaso. O universo é lei! E a poesia captadora de suas verdades, pela sensibilidade reveladora de seu poeta. Sublime texto! Um grande abraço!


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07/04/2010 23:50 - Lisyt
Bela crônica!...Merece como fundo musical uma sinfonia de "Mosart"\ Nossa recomendação ao primo, que ao jeito dele, executa aos 84 anos, uma bela sinfonia.


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06/04/2010 21:06 - Malgaxe
Muitas pessoas, que o tempo trouxe o reconhecimento tardio, terminam suas vidas na miséria e esquecidos, talvez vítimas de uma época, de um sistema de vida, não sei. O que eu sei meu caro é o que eu sempre digo, o homem é aquilo que ele faz, com a certeza de que a passagem aqui por este mundo, é breve e outras vidas virão, vive-se de amor e caridade e pode-se dizer que viverá feliz. abraços


30/03/2010 22:55 - giustina [não autenticado]
Mas que chic, Joel! Ter um Mozart na família! Tua crônica, como todas aliás, ficou um encanto. A gente vê as cenas. Enxerguei a neblina, o cavalo, o fusca e... o Mozart! Grande beijo.


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30/03/2010 20:15 - Rosso
Dizer: bela crônica seria repetitivo e redundante. Bela sinfonia ? Bela lembrança ? Wolfgang Amadeus saberia o que te oferecer. Escolha uma delas, pois o seu bom gosto saberá.


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29/03/2010 22:45 - Maria Iaci
Joel, meu amigo querido, eu estava com saudade dos seus textos recheados de lirismo e beleza! Que bela crônica, tão rica em elementos sensíveis, como de costume. E que feliz coincidência esta de, numa manhã que evocava as sinfonias do Mozart, se encontrarem com o "próprio". Que figuraça deve ser este seu primo! É sempre um grande prazer ler os seus textos. Ah, uma grande amiga minha, estudante de linguística na USP, leu alguns deles e também gostou muito do seu estilo. Um beijo saudoso na testa. :)