Um amor freirático 
         

                Nada como buscar o                   prazer  na escuridão das celas dos                conventos.          Ana Miranda 

     1. Tive uma prima que, muito nova, entrou para o convento. Nova e bonita, no esplendor dos seus vinte anos, ela se despediu do mundo, renunciando uma promissora carreira de professora primária.
     2. Vestiu o hábito e passou a se chamar irmã Maria do Céu, deixando fora da clausura seu bonito nome de batismo, Marília. Ingressou na Ordem das Carmelitas, fundada no final do século XII.
     3. Eu era pré-adolescente quando Marília atravessou, seguindo um tocante ritual, o umbral do Convento, desaparecendo rapidamente. A solenidade aconteceu no dia 31 de maio, portanto, na festa da coroação de Maria, mãe do Profeta Jesus.
     4. A partir daquele dia - que nunca me saiu da memória -, recolhida a um noviciado rigoroso, falar com a irmã Maria do Céu só uma vez por mês e através de uma janelinha que dava para o interior do claustro cheio de flores.
     5. Senti bastante a opção de Marília pela vida conventual. Alimentava pela prima, uns cinco anos mais velha do que eu,  uma paixão, nunca declarada, que é a pior das paixões... a mais dorida, talvez...
     6. Mesmo admitindo, como católico, que ela, como freira, teria Deus ou seu Filho Jesus como esposo, desagradava-me vê-la escondida numa clausura, naquele tempo ainda indevassável.
     7. Nos dias de visita, eu ficava visivelmente  ansioso. Com um olho no relógio e o outro na tal janelinha,  eu aguardava Marília. Não sei se ela entendia o olhar suplicante do seu apaixonado primo: era uma verdadeira declaração de amor!
     8. Vocacionada, ela se recolhera ao mosteiro por decisão exclusivamente sua; sem imposições. Aderira à vida monacal com a aprovação de seus familiares; até do seu sisudo pai, que se declarava um ateu. Como ateu ele morreu, apesar das orações da filha monja, pela sua conversão.
     9. O mundo deu muitas voltas e a prima, anos depois da profissão solene, deixou o hábito. A parentela chorou quando soube que a irmã Maria do Céu voltara a ser Marília; que havia abandonado o convento. Não casou. Não sei se porque não encontrou o companheiro ideal ou se preferiu guardar o celibato pela vida afora.
     10. Depois de muitos anos, já homem feito, encontrei Marília trabalhando numa famosa clínica pediátrica. Com saudade, recordei o dia de sua entrada no noviciado.
     11. O tempo, que não poupa ninguém, havia levado para longe a beleza física daquela freirinha que me fzera "pecar", muitas vezes, sonhando tê-la nos meus braços pelo menos por uma noite... 
     12. Há pouco, lendo a biografia de Gregório de Matos (1636-1696), por Ana Miranda, detive-me  no capítulo "O gozo do proibido - freiras e freiráticos" me lembrando de Marília, ou melhor, da irmã Maria do Céu.
     13. Porque nesse capítulo, a bela escritora cearense conta detalhes da paixão que o poeta e advogado baiano Gregório de Matos, o Boca do Inferno, nutria por uma freira, a irmã Florencinha.  
     14. Gregório de Matos, segundo Ana Miranda, revelou-se um perfeito e acabado freirático, ou seja, um assíduo frequentador dos conventos de freiras onde, naquele tempo, séculos 17 e 18, "se fazia sexo tanto quanto se rezava". Num convento ele conheceu Florencinha.
- "Gregório de Matos foi um enlevado freirático desde os tempos de estudante, e viria a escrever todo um capítulo de poemas dedicados a essas religiosas", acentua Ana Miranda, no seu excelente livro.
     15. Depois de muito luta, enfrentando dificuldades imensas, pulando muros do convento, Gregório teve, finalmente, seu primeiro encontro amoroso com a freira Florencinha, "na escuridão do locutório".  
     16. OH! Os tempos de Maria do Céu enclausurada eram outros... Bem diferentes dos tempos de Gregório e Florencinha...  
     

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/10/2017
Reeditado em 05/12/2017
Código do texto: T6145085
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