A Cura gay e O Retrato de Dorian Grey

Primeiro pensou que fosse o demônio que havia possuído seu corpo, o desejo dentro dele foi crescendo e se tornando incontrolável, não havia escolhido ser homossexual, simplesmente sua sexualidade se impôs, tentava refrear seus desejos controlando seu comportamento, mas à noite os sonhos o perseguiam, não dizia nada pra sua família, pois tinha muito medo. Cresceu ouvindo piadinhas entre os colegas, ouviu dos mais velhos que homossexualidade era abominação, na igreja o líder espiritual dizia que tais pessoas não entrariam no reino de Deus, pois ameaçavam as famílias, e em casa não era diferente, lembra certo dia quando o pai assistindo a TV exclamou: Deus me livre de um filho gay.

Começou a adoecer, tinha complexos de inferioridade, abandonou a faculdade, tinha pensamentos condenatórios que o levavam a se autoflagelar, frustração por não conseguir mudar seu desejo, internalizou homofobia por não aceitar sua orientação sexual entrou em depressão e tentou suicídio, foi quando sua família descobriu sua sexualidade e na busca por um tratamento que o curasse o encaminharam ao terapeuta.

Quando chegou ao divã era o retrato da dor e da infelicidade o que me remeteu à literatura inglesa com o clássico livro “O Retrato de Dorian Gray”, um livro de narrativa homoerótica, repleto de insinuações e flertes e que foi considerado pelo público britânico da década de 1890 como uma terrível afronta à moral e aos bons costumes. Escrito por Oscar Wilde, que era homossexual por isso condenado a dois anos de prisão tendo trechos do livro usados no tribunal para comprovar sua orientação sexual. Não é a toa que ele faz um pedido ao seu melhor amigo Lord Douglas: "Quando eu morrer quero que escreva 'Beije minha lápide'".

Ele conta a história de Dorian Gray que ao receber uma herança, passa a frequentar a alta sociedade inglesa sendo influenciado pelo Lorde Henry Wotton. Ao ter seu retrato pintado por um artista que o ama, Dorian deseja permanecer eternamente jovem e lindo e, sem explicações, obtém sucesso. Com sua alma aprisionada no quadro todas as consequências físicas de seus atos e de sua vida hedonista acontecem diretamente à pintura e não ao seu corpo. Assim ele se torna um homem insensível e imoral, que não consegue sentir plenamente o amor, remorso ou culpa. Todos contemplam a beleza de um homem com admiração, ninguém conhece a podridão de sua alma que pouco a pouco vai se definhando.

O livro é uma crítica de Oscar Wilde a uma sociedade onde o que mais importa é a aparência, é ela que determina o que é socialmente relevante ou não, os valores humanos, aquilo que está no coração é irrelevante, o que se mostra externamente e o que a sociedade valoriza. Dorian vive a vida pensando nas aparências enquanto dentro de si só existia frustração, dor e mágoa. Como não sabia amar, “ficou esperando alguém que coubesse em seu sonho”, como canta Cazuza, ele não conseguia amar a si mesmo, ele não conseguia se aceitar e assim pouco a pouco se matava.

Oscar Wilde escreveu outro livro enquanto estava preso, “A Balada do Cárcere de Reading” e neste livro imortalizou a citação: “Para cada homem que mata a coisa que ele ama”, por ser homossexual, ele matava o seu desejo, mas não se faz isso sem morrer também, após haver cumprido sua sentença viajou para Paris onde ficou acabado física e espiritualmente, entregou-se ao álcool e com sérios problemas de saúde morre de meningite e como indigente o grande escritor.

Hoje já consegue falar da sua dor, descobriu que sua doença não era a homossexualidade, e sim o fato de não aceitar a si mesmo. Retornou à faculdade, conseguiu um emprego, disse estar em um relacionamento sério e que pela primeira vez na vida está feliz. Como Renato Russo que canta: “Você então me diz que tenho que entrar nesse esquema, e tudo isso é só um monte de mentiras. Não trace nenhum plano pra mim, a vida é minha e eu a quero assim” ele agora traça seu próprio caminho, sabe que o processo é difícil, pois a sociedade é hipócrita, mas que o único responsável por sua felicidade é ele mesmo. Pareço ouvir Legião Urbana cantando: “Existe algo que diz que a vida continua e se entregar é uma bobagem” ou Oscar Wilde dizendo "a única coisa necessária é o supercílio”. Ele está curado.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 17/10/2017
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