Pelo menos uma vez ao mês

O que me acordou nessa manhã não foi o relógio, foram muitas cólicas, essas malditas me acompanham desde que virei “mocinha”. Aos dez anos, no dia do meu aniversário, eu conheci de perto o quão constrangedor pode ser ao se tornar uma mulher. Uma criança, já sem coloração, a pressão caindo cada vez mais e um liquido preto escorrendo pelas suas pernas, o que estava acontecendo com a minha vida? Eu estava morrendo, era a única coisa que me vinha a cabeça.

Fiz um esforço e consegui chegar até ao quarto da minha mãe e contei o que tinha acabado de acontecer e ela com um sorriso no rosto, me disse:

- Filha, você agora você é uma mocinha.

- Eu sei que sou mocinha desde pequenina, mamãe!

- Não minha filha, agora você vai se desenvolver completamente, seu corpo vai mudar, você terá seios, seu bumbum vai crescer, pelos vão nascer embaixo do seu braço e também na sua “amiguinha”. A partir de hoje você vai amadurecer.

Eu, com dez anos de idade não queria saber de amadurecer, eu estava interessada nas cores das bexigas que eu queria para a minha festa de aniversário, se teria muitos brigadeiros e se meus amigos iriam vir.

Minha mãe me pegou, levou para o banheiro, me deu um banho e depois me mostrou como usar um absorvente. Pensei logo em que porcaria de fralda era aquela que eu teria que grudar na minha calcinha, minha mãe viu o meu desconforto e com calma explicou que eu teria que colocar aquele absorvente e que eu deveria trocá-lo sempre quando fosse ao banheiro por questão de higiene e também para que o fluxo continuo de sangue que estava perdendo não vazasse pela minha calcinha e fosse parar no meu shorts.

Depois do banho eu tive que deitar, estava me sentindo péssima, perdendo os sentidos de tanta dor e a chuva de informações vindas pela minha mãe, contribuíram para que eu ficasse mais confusa.

Minha mãe me colocou na cama, trouxe um chá de camomila que não serviu para nada, uma compressa de água quente que também não ajudou em nada e depois um comprimido de analgésico para ver se minha dor parava, não, ela não parou!

Fui para o hospital no dia do meu aniversário e ainda por cima perdendo sangue. Naquela idade a única coisa que eu realmente pensava era como ainda estava viva com a quantidade de sangue que saia de dentro de mim?

O médico que me atendeu me chamou de “menina precoce” no aniversário de dez anos e já menstruada. Ele aplicou alguns remédios na minha veia e eu consegui dormir.

Quando acordei já estava em casa e senti um desconforto, algo estava grudado na minha calcinha, foi quando eu toquei e senti o absorvente e lembrei de tudo.

Isso aconteceu em uma quinta-feira, por conta da novidade eu não consegui ir à escola. Na sexta-feira, quando levantei para me arrumar, ainda sentia dor e um enorme desconforto entre as pernas. Me arrumei, tomei café e minha mãe me levou até o colégio. Não contei para nenhuma amiga, eu não sabia se virar “mocinha” era tão bom quanto minha mãe falava, fiquei calada. Na hora do intervalo me senti prisioneira, não sabia andar direito com aquele absorvente e estava todo mundo brincando de pega-pega, não pensei duas vezes, fui até o banheiro e tirei o tormento, joguei no lixo e fui brincar. Corri para lá e para cá depois a brincadeira mudou, foi para esconde-esconde, me escondi e depois bati cara. Quando estava contando de olhos fechados para que os meus colegas se escondessem, eu escutei umas frases como:

- Olha a roupa dela, está toda suja.

- Eca parece sangue!

Alguém lá do fundo grita:

- Porca, vai tomar um banho.

Não há nada nesse mundo mais cruel que a sinceridade de uma criança. Conforme eu ia ouvindo aquelas coisas, eu ficava cada vez com mais vergonha, muita vergonha, não queria olhar para cima, tinha medo de encarar qualquer um ao meu redor. Fiquei imóvel, até a tia da faxina ver o que estava acontecendo e decidir me ajudar. Ligaram para minha mãe, ela me pegou na escola e depois me explicou que eu fiz errado em tirar o absorvente já que eu ainda estava menstruada, tentei explicar o motivo pelo qual fiz aquilo, mas foi sem sucesso.

E é isso que passo pelo menos uma vez por mês, há mais de 20 anos. Ser mulher é encarar um sangramento acompanhado de muita dor todos os meses e mesmo assim estar disposta a trabalhar, cuidar da casa, dos filhos e marido e não ter o direito de esmorecer, porque muitos precisam de você...

Cintia L Santos
Enviado por Cintia L Santos em 19/10/2017
Código do texto: T6147195
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