MINHAS MEMÓRIAS

 

Um dia na minha vida de professora
A Força da Poesia

 

            Acordo cedinho, seguindo aquela mesma rotina de todos os dias. Tomo meu chá, peço a Deus para abençoar meu dia, mando luz em pensamento a todos os meus afetos (e até a alguns desafetos) e saio para cumprir a missão de ensinar.

Aprendo tanto, observando o processo de aprender e ensinar que, às vezes, chego a ter a impressão de que ganho mais do que proporciono conhecimento, pois aprendo a conhecer a alma do ser humano.

            Lá vai um desses momentos de aprendizagem, no qual pude fazer algumas constatações.

            Júlio é um menino de aproximadamente treze anos de idade, nasceu e vive na periferia da cidade, está repetindo a série, tem poucos cadernos e nem sempre os traz consigo, pois o “me esqueci, professora” o acompanha diariamente. Nunca cumpre com suas obrigações escolares: não faz tarefas de casa, não participa das aulas, tem atitudes inadequadas com colegas. É tão inseguro que necessita chamar a atenção de todos, a todo momento, e para isso levanta e passeia pela sala de aula, ri alto, brinca e conversa sobre assuntos totalmente fora de contexto. Dessa forma, prejudica o andamento das aulas, a aprendizagem da turma e o clima do ambiente. Júlio é assim sempre, é desinteressado, desestimulado.

            Neste mês, teremos aulas de Poesia. Vamos permitir que a Poesia invada nossos corações e passeie dentro de nós, como se fosse sangue pulsando em nossas veias.

            Nosso grande tema é a Natureza, ainda bela, esperando por nossa ajuda.

Lemos, comentamos e analisamos poemas, apresentamos jograis, até que chegou o grande momento: vamos produzir!

            “Eu não sei, professora”, diz um no fundo da sala. “Eu nunca fiz isso”, grita outro. “Acho que eu não vou conseguir”, fala baixinho aquela moreninha tímida e magricelinha, enquanto alguém arregala e esbugalha os olhos, tentando adivinhar se é capaz.

            Júlio, até então, já foi repreendido mais de dez vezes: “senta direito”, “presta atenção”, “abre o caderno”, “concentre-se”...Desisto...Deixo-o de lado.

            Todos, em silêncio, escrevem...

            No quadro, palavras relacionadas ao tema brigam por espaço. Rimas se cruzam e entrecruzam. Tudo conspirando para ajudar a inspiração!

De vez em quando, um “ai, professora” fica no ar.

E eu...observo.

Dali a pouco percebo fisionomias transformando-se. Tensão virando alegria.

“Consegui, professora!”, “olha aqui o meu poema!”.

Tudo consumado!

Poema estruturado!

A Poesia tomando conta da aula, fluindo dos corações, aumentando a confiança e a auto-estima, trazendo a certeza de que é possível.

“Eu sou o autor, né, professora?”

-Agora, escrevam seus Poemas na folha branquinha! Podem desenhar, colorir, fazer colagens, tudo para enfeitar. Depois, é só prender no nosso “Varal de Poesia”. Parabéns, pessoal! Está ficando lindo!

-Taís, por gentileza, vá buscar o fio!

A Poesia é linda!

E Júlio, onde está, o que está fazendo?

Nisso, ele levanta com sua folha na mão.

-Está bom assim, professora?

-Júlio, está ótimo, parabéns! Pendure-o no Varal!

-Bá! Esqueci o prendedor, professora!

 

   Jussára C Godinho  -  Ju Virginiana