Dia de Rock


O Legião Urbana estava despontando como uma das grandes bandas do rock nacional e o irmãozinho caçula, seu xodó, era fã incondicional.
Quando a mídia anunciou o show, ela correu para comprar os ingressos. Queria agradar o moleque. Deu certo. Desde que deu a notícia, o garoto, no auge dos seus treze anos, não falava em outra coisa. A cada vez que a propaganda do show aparecia na TV, ele gritava feliz:
- Eu vou!!!
No dia marcado, lavou o carro dela e, com umas três horas de antecedência, já estava pronto, banhado, asseado e cheirozinho, de roupa nova e tudo. Literalmente, aporrinhando: a cada quinze minutos, vinha chamá-la, lembrando que estava quase na hora. Chegaram ao Mané Garrincha com folgados cinqüenta e três minutos de antecedência. "Folgados" no entendimento dela. No dele e no dos outros mais de cinqüenta mil fãs, estavam atrasados. E muito! As filas em frente aos portões estavam monstruosas.
Em sua cabeça, dançava, ao som de Espanhola, a filipeta do show do Flávio Venturini, de graça, no Grand Circo Lá, aconchegante, um público mais seleto... Era só vender os ingressos, pegar o carro e tocar pra lá, chegariam com folga... Mas havia prometido ao guri. Não podia tirar o corpo fora assim. Entraram numa fila e ele empolgadíssimo, esfregava as mãos de contentamento. Puxava assunto com todo mundo em volta. Nem quando a polícia montada passava organizando a fila a golpes de cavalo, ele se abalou.
Após meia hora em que andaram apenas uns poucos metros, o frio aumentando, a vontade dela começa a esmorecer:
- Maninho... Vamos pro show do Flávio Venturini. Eu te dou uma fita do Legião...
- Nem pensar. Quero ver o show do Legião!
Novos vinte minutos de espera, a fila estagnada, souberam por um já irritado grupo próximo que a razão da demora era a revista a que todos estavam sendo submetidos à entrada, para evitar bebidas e armas. Ela, tiritando:
- Vamos pro Flávio Venturini, maninho. Diz que é um showzão... Eu te dou duas fitas do Legião!!
- Nããão. Quero ver o show do Legião!
Mais vinte minutos, eles agora podiam ouvir da fila os primeiros acordes da banda tocando para os felizardos que já haviam entrado.
- Mano... Olha só! O show já começou... sem nós! Se formos agora para o Gran Circo ainda pegamos um pedaço do show do Flávio Venturini. Eu te dou as três fitas do Legião! Você vai ficar com a coleção completa...
- Não, por favor! Eu quero ver o show! Você prometeu. Além disso, já estamos quase chegando...
Desanimada, ela se conformou e não insistiu mais. Passados mais alguns instantes, longos e enregelantes, eles conseguiram entrar.
Lotado! Havia gente saindo pelo ladrão. Ela agarrou a mão dele e disse para que não desgrudasse. Se se perdessem, não se reencontrariam tão cedo. Enquanto tentavam encontrar um lugar de onde pudessem ver alguma coisa, começou a briga. Bombinhas estouraram no palco, alguém deu uma gravata no Renato Russo, que parou a música várias vezes para tentar conter as brigas. Os organizadores decidiram cancelar o show e começou o quebra quebra. Ela agarrou o guri e procurou refugiar-se num canto, enquanto o caos se espalhava como fogo no capim seco.
Números oficias: sessenta detidos, trezentos e oitenta e cinco feridos, vários ônibus depredados. Na primeira oportunidade, escafederam-se do local, ilesos e frustrados.
Passados alguns instantes, enquanto se encaminhavam para o carro, cabisbaixos e em silêncio, o garoto perguntou, manhoso:
- Maninha? Aquela proposta das três fitas ainda está de pé?