Considerações dos protestos de junho

Aproveito para colocar as considerações que escrevi, entre os dias 17 e 19 de junho de 2013 sobre os protestos e as percepções advindas dela.

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17 de junho de 2013

Algumas ponderações...

1) É inequívoco a presença popular nas manifestações - em especial da nova geração, não acostumada às mobilizações, aos partidos e aos movimentos sociais, em especial nascidos na década de 1990.

2) Há uma grande insatisfação não apenas com os aumentos das passagens. O aumento apenas foi o estopim para a mobilização de outras demandas afins. Com a proximidade da Copa das Confederações, isto se avolumaria de tal forma que chegaríamos a patamares como este.

3) Sem dúvidas, as manifestações são um fenômeno político nacional. Um fenômeno que não pode, em momento nenhum ser desprezado.

4) Porém, é um movimento atípico. Sem dúvidas, a descrença na política como meio de transformação social e de participação ativa do povo e a proliferação do discurso da despolitização da política são os vetores centrais que pautam, na prática, o cerne destes movimentos que, na verdade, cometem o grave erro do VOLUNTARISMO e do ESPONTANEÍSMO. Erros idênticos aos das greves gerais de 1918 e de 1919 no RJ e em SP comandada pelos anarquistas.

5) Por conta da despolitização da política, nem os partidos de esquerda tradicionais (PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB e PSOL), os partidos trotskistas (PSTU e PCO) e até as novas legendas (como a REDE), estão sendo sequer respeitados pelos manifestantes. Seja pelo encastelamento e burocratismo de uns, seja pela leitura dogmática de outros ou até pela falta de representatividade de alguns, o fato é que esse movimento, salvaguardas as devidas proporções, possui (ainda que veladamente, por conta deste espontaneísmo) um forte perfil de direita. Só que de uma direita que mobiliza a juventude, com uma retórica que por vezes raia ao protofascismo - o contraponto ao outro movimento da direita cristã, o fundamentalismo, com o mesmo conteúdo de massa conservadora.

6) Se os partidos quiserem se reinserir nesses movimentos, eles precisam sair do seu pedestal e se imiscuírem entre as massas, com a devida humildade e com a necessária autocrítica.

7) Sem dúvida, hoje os partidos não se deram conta e nem mesmo estão preparados para os novos tempos da democracia digital. Quem quiser se integrar a este novo momento, que encare como realidade a nova modalidade de militância: a "militância digital".

8) Daí, a formação política torna-se imprescindível diante desses novos tempos. Até para enfrentar casos como esses. Que os partidos populares pensem a fundo nisso (assim como o PDT, via os cursos ministrados via Fundação Brizola Pasqualini), até para superarem a maré de reacionarismo, fruto do espontaneísmo e do não reconhecimento do papel dos movimentos sociais e dos partidos políticos.

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18 de junho de 2013

Além das pontuações colocadas por mim ontem, vou atentar ainda para mais algumas considerações sobre o protesto de ontem. Antes de tecer comentários, gostaria da reflexão de cada um de vocês para alguns pontos importantes.

1) Diferente da década de 1960 - onde a oposição ao conservadorismo do Congresso Nacional (de onde Leonel Brizola chamava pejorativamente como o "clube dos políticos") se dava através da representação de entidades estudantis (UNE/UBES e grupos afins), sindicais e comunitárias, partidos populares (PTB, PCB e PSB) e grupamentos de militares nacionalistas e intelectuais progressistas -, os protestos atuais, em especial da semana retrasada até aqui, são marcados pela rejeição aos partidos e aos mesmos movimentos sociais.

2) O não reconhecimento dos manifestantes aos partidos e aos movimentos sociais não significa que estes movimentos sejam políticos. Pelo contrário, iria mais além: os protestos são políticos, mas de fundo e de conotação apolítica, investindo muitas vezes na retórica da despolitização da política.

3) Quanto ao conteúdo e a composição dos protestos, é fato que ele se constitui com uma representação multifacetada e policlassista. Congregam desde os que possuem partido ou se integram nos movimentos sociais (hoje à reboque das manifestações) até os que professam ser apartidários ou apolíticos (fração hegemônica) e os que possuem até tendências anarquistas ou punks.

4) O movimento espontaneísta, sem lideranças ou grupamentos afins, é fruto das mobilizações ocorridas nas redes sociais. O movimento padece dos mesmos erros dos movimentos anarquistas, que negam a representação não só do Estado e de suas instituições, mas também política (vide, por exemplo, as bases ideológicas do anarco-libertarismo ou até mesmo, no âmbito da direita, o liberalismo ao extremo, na valorização da "liberdade negativa").

5) Não podemos negar o caráter mobilizador destes movimentos. O problema do conservadorismo de boa parte dos manifestantes também se deve a algumas razões:

5.1 Os partidos históricos/populares ou ideológicos, junto com os movimentos sociais, não levaram a sério a nova dinâmica da democracia digital e perderam o seu respaldo político junto a nova juventude, cansada da estrutura oligárquica, burocratizada e (muitas vezes), viciada destas instituições;

5.2 Os partidos progressistas, ligados à base governista, se embriagaram e se sentiram entorpecidos com o poder e o modus operandi vigente, divorciando-se das agendas e das causas populares;

5.3 A incapacidade de diálogo dos partidos e das entidades estudantis, seja pela: a) manutenção de práticas políticas que excluem os jovens nas bases; b) pelo dogmatismo ou sectarismo de algmas organizações afins ou c) pela falta de representatividade e de legitimidade dos partidos e movimentos sociais afins a estes jovens;

5.4 As organizações partidárias progressistas, em geral, não levam em conta as agendas e as aspirações sociais da juventude que se constituem em praticamente 1/3 da população brasileira. Daí a deslegitimidade da juventude aos aparelhos partidários anacrônicos, que não respondem as suas demandas imediatas.

6) Uma atenção a ser dada é a releitura do nacionalismo, feita por estes movimentos. Quem se preparar e fizer uma leitura com fundo democrático-popular estará na frente. Precisa ouvir e dialogar com a maioria desses jovens - muitos com uma atuação política irrisória ou mesmo inexistente.

7) A "ressurreição" das camisas e bandeiras brancas como protesto e combate à "corrupção" e simbolizando a "paz". Uma velha tradição liberal, desde os movimentos liberais de MG com Teófilo Otoni em meados da década de 1850, perpassando até à comemoração do Golpe Civil-Militar de 1964, com a frenesi direitista do eleitorado da UDN, na Zona Sul e na Grande Tijuca, com bandeiras, roupas e lenços brancos. Ironicamente, vemos a nova roupagem da velha prática de direita. Ironias da história.

8 ) A capitulação e o apoio das Organizações Globo e dos seus intelectuais orgânicos (vide Arnaldo Jabor) a este movimento. A falta de coesão dos protestos em todo o país, fruto do seu espontaneísmo, mostra não só a fragilidade organizativa como ideológica, fruto da representação multifacetada, indo de setores jovens extremamente conservadores e/ou apolíticos de direita até os setores mais avançados, indo até ao anarquismo.

Enfim, são essas colocações. Deixo o veredicto!

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19 de junho de 2013

Conversando e interagindo com os internautas, começo a chegar a novos apontamentos. Considerações que levam em conta a lógica dos movimentos, a composição deles e a linha ideológica que estes protestos seguem, a partir da cultura política dos participantes.

1) Estruturalmente o movimento é, como havia dito nas proposições anteriores, policlassista e bastante multifacetado, concentrando desde os partidos políticos de oposição (direita como o DEM e PPS e esquerda como o PSTU, PSOL, PCO, PCB e PCR) e governistas de esquerda e de centro (PDT, PT, PCdoB, PSB, PPL e PR), passando pelos movimentos sociais e de minorias até a população afim - com destaque à participação massiva de jovens, em especial, nascidos na década de 1990 e que nunca tiveram uma experiência política afim ou mal atuaram parcamente nos movimentos sociais e/ou partidos políticos.

2) Porém ideologicamente, o movimento é hegemonicamente anticlassista. Utiliza-se de uma das marcas nacionais (o futebol) para, em meio à Copa das Confederações, utilizar-se de uma linha nacionalista. Enganam-se porém os partidos que este nacionalismo é progressista e de fundo democrático-popular. É um movimento ufanista e chauvinista, com o conteúdo até integralista - relembrando não só a Ação Integralista Brasileira (AIB) da década de 1930, como também as manifestações conservadoras presentes no auge da repressão, no início da década de 1970, aproveitando-se do bojo do tricampeonato mundial do Brasil para veicular slogans como "Eu te amo, meu Brasil", "Ninguém segura este país" ou "Brasil: ame ou deixe".

3) Não só isto, as manifestações políticas apresentam um caráter APOLÍTICO. A aposta da "despolitização da política" (expressão que volta e meia uso), face ao entorpecimento dos partidos progressistas na base do governo e à incapacidade da direita (PSDB/DEM/PPS) de aglutinar estes movimentos, tem sido a tônica majoritária dos que participam destas passeatas. É, sem dúvidas, um fenômeno político e sociológico nacional que precisa não só ser estudado nas academias, como discutido nos fóruns políticos afins. E nesta dinâmica, tanto os partidos como os movimentos sociais e organizações de minorias estão ao reboque das mobilizações dos que, sem nenhuma experiência política, estão ditando a linha ideológica das manifestações e protestos.

4) O descrédito na classe política pelos manifestantes aponta o impasse atual, que atinge a todos, do DEM ao PSTU. A "prisão virtual" do Prefeito de Juazeiro do Norte em um banco (PMDB), as perseguições sofridas pelo PSTU, PSOL, REDE e PCR por grupamentos de fundo fascista/integralista, as invasões anteriores como a sede da Prefeitura de Porto Alegre (PDT) e, mais tarde, na entrada da Prefeitura de São Paulo (PT), no Palácio Bandeirantes (PSDB) e mesmo em órgãos legislativos, como a Câmara Municipal de Maringá, a Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ) e até o próprio Congresso Nacional (!!!) são, sem dúvida, bastante sintomáticos e paradigmáticos do esgotamento do bloco histórico pós-redemocratização.

5) Não obstante, no interior dos movimentos, há uma aliança tática entre os grupamentos anarquistas e os setores radicalizados da direita. Vale atentar também com a presença de elementos da máquina administrativa na fomentação dos protestos. O desafio maior é sber quem é a vanguarda destes movimentos, quais as motivações e as implicações de tais protestos, a partir da lógica de uma "vanguarda" invisível socialmente.

6) Se a ofensiva dos grupamentos integralistas/protofascistas guiam os movimentos não só nas ações de mobilização, elas avançam na disputa ideológica, utilizando-se da era da "democracia digital" para proliferar blogs afins, em um revisionismo histórico sem precedentes - no sentido de resgatar a legitimidade do regime autoritário civil-militar e desmoralizar não só a historiografia como os historiadores, tachando-os como "comunistas", em uma radicalização ideológica de direita sem precedentes (vide o blog abaixo "Meu professor de História mentiu pra mim"). Quanto a tais considerações, nada melhor que a tese de doutorado de Demian Melo sobre a Greve Geral de 1962, ao abordar a fundo e de forma sistemática as tentativas de revisionismo à direita por historiadores apologetas de regimes autoritários/ditatoriais.

7) Cabe aos partidos populares e movimentos sociais voltarem às bases com URGÊNCIA, em uma profunda autocrítica, ouvindo as massas, interagindo com elas e mostrando a elas a justeza das agendas populares, a partir de uma leitura política coerente. Igualmente, os partidos e movimentos afins precisam sair do anacronismo das relações políticas burocratizadas e se reinserir às massas, voltando às ruas e considerando a mobilização dos jovens - principalmente com a militância virtual como a mais nova modalidade de ativismo político. Também cabe aos partidos, através de sua militância, denunciar a tentativa de hegemonização à extrema direita das manifestações de fundo apolítico e apontar, à luz da análise crítica histórica, quem são os atores políticos de direita, suas motivações ideológicas e a gênese deles, isto é, de onde eles vieram e nasceram.

8) Para quem criticava sistematicamente a direita cristã de fundo fundamentalista, este movimento é tão igual ou pior que ela. Razão: a direita cristã, mesmo sendo conservadora, não só mobiliza as massas, como participa também das instituições representativas dentro dos marcos da liberal-democracia, integrando-se aos partidos ou se utilizando das instituições eclesiásticas e dos seus espaços para colocar a sua mensagem. Já os movimentos apolíticos, por si mesmos, negam a participação dos movimentos sociais, dos partidos políticos e dos políticos. Um retrocesso de cunho antidemocrático e à direita do conservadorismo, em um processo contínuo de fascistização.

E aí, meus caros internautas?

Wendel Pinheiro
Enviado por Wendel Pinheiro em 19/06/2013
Reeditado em 26/06/2013
Código do texto: T4349517
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