Sobre o estupro

Imagine que você adora ir à praia tomar banho. Você se sente em casa, é refrescante e relaxante. Tudo de bom. Não há nada melhor pra você do que um fim de semana pegando uma onda.

Entretanto, você sabe que no mar existem tubarões perigosos que podem atacar qualquer banhista que por ventura tenha a infelicidade de estar nos arredores. Num ambiente desses, obviamente o tubarão tem todas as vantagens a seu favor. Você não teria nenhuma chance contra ele, estaria indefeso.

É verdade que você conhece o perigo. Mas mesmo assim a possibilidade de ser atacado por um tubarão parece ser bem remota, improvável. O banho é tão bom que é difícil resistir. Então você coloca sua roupa de banho e cai na água. A água, o sol, as ondas, é tudo perfeito.

Entretanto, imagine que, contra todas as probabilidades, o pior acontece logo com você. Um tubarão faminto, diante de uma presa fácil, não resiste aos instintos mais primitivos e lhe pega desprevenido. Ele morde sua perna, te puxa para o fundo do mar e te faz em pedaços em pouco tempo. É o fim.

Agora, vamos mudar um pouco o cenário. Pense que você, na verdade, é uma mulher e que ao invés de frequentar a praia goste de se vestir como lhe convém. O tubarão, na verdade, é um outro tipo de predador: um homem violento que acha que é incapaz de resistir aos seus instintos sexuais. Nesse novo quadro, você obviamente está indefesa contra esse homem irracional. Ele é muito mais forte que você e estará disposto a fazer de tudo para obter o que deseja. Para ele é muito natural o ato de violentar uma mulher provocante. Assim como um tubarão faminto não pode resistir a um bom pedaço de carne, ele também não pode resistir a um par de pernas. Nos olhos dele, a mulher que usa roupas curtas é como um banhista que decide tomar banho na praia do tubarão. Uma pessoa assim teria pedido pra ser pega.

Homens e tubarões, no entanto, são um tanto diferentes. O homem, ao contrário do tubarão, raciocina. Ele tem consciência de seus atos, tem poder de decisão sobre seus impulsos, não está condenado a fazer o que lhe mandam os instintos. Homens não são como tubarões solitários que vivem à espreita, sempre esperando pela próxima vítima. Vivem em sociedade, da qual as mulheres participam. Têm, portanto, o dever de respeitá-las e resguardar seus direitos, estejam elas vestindo roupa curta ou não. A opinião amplamente difundida de que a culpa pelos estupros é das mulheres é só uma desculpa que alguns homens maliciosos encontraram para justificar seus atos covardes. É também uma forma de perpetuar a posição privilegiada do homem na sociedade, de mostrar sua força através do medo e da violência. Vai contra toda luta que se tem travado pelos direitos humanos ao longo dos séculos. É motivo de vergonha. Enquanto esse tipo de atitude for a regra, igualdade e fraternidade serão apenas discursos vazios.