EU MATEI O CANDIDATO

O candidato vocacional pretende um cargo infindo. O candidato efêmero fará vista grosseira de algum projeto que lhe aposente vitalício. O candidato do povo em nome do povo fará tanta coisa que lhe distância dará cada vez mais do povo. O candidato da bala atira pra tudo o que é lado, o candidato do sindicato discursa cada vez mais na fala do patronato. O candidato rural legisla pela derrama de sangue, o candidato ecologista viaja na vez que legisla, o candidato ideal de sua tia costuma ser um baita racista, o candidato ideal do cachorro fatura na conta da ração vencida; o candidato que mente é gente, o candidato, que é gente, mente; o candidato mente. Quando diz a verdade nem é mais candidato e nem mesmo é eleito pra nada. Importa, somente, que o candidato mente. Sabiamente detecto o fato de que, se é candidato, mentiroso nato. Diz ainda um imbecil: que o candidato sai de mim, sai da própria população: um imbecil! – candidato, de mim, não! E que o imbecil vá pra p...! O candidato laranja é o elo fraco do desarranjo político. O candidato lírico costuma passar despercebido. O candidato do coroné penteia o cabelo de lado, o candidato que é neto das trevas pretende trevar para sempre. Candidato gay não se bronzeia, candidato macho come capim e rosna, candidato brega usa terno ornado com a gravata, candidato da mídia é absolvido por presunção, candidato facínora nunca está só, candidato da indústria usa jatinho particular e combustível da gente, candidato da fé usa a fé de um modo qualquer (sequer percebe que é preciso extraordinária fé para crer que o voto é um voto de fé); o candidato da paz caça pombas com arapuca de fel. O candidato da moral nunca mostra o seu quintal. O candidato estudantil saiu da escola há muito tempo, o candidato isolado é uma escolha de ninguém, o candidato mente, posto que seja gente: e dito diz-me o imbecil, que o candidato sai de mim. Não vou insistir nisso, pois acima há tese feita. O candidato é masculino, quase não há candidata. Há política, há candidatura, mas o candidato é masculino: se a mulher é maioria, o que pretende a política, então? O candidato da situação desmente a matemática. O candidato da oposição desmente a matemática. O candidato do candidato principal desmente a matemática. O candidato das minhas esperanças confirma a matemática. O candidato dos transportes ainda vai ficar a pé, o candidato da causa própria mora em todas as urnas. O candidato da lei pretende barrar o futuro, o candidato da elite promete doar tinta ao descolorido do mundo, o candidato da periferia ambiciona sumir da periferia, o candidato dos condomínios programa muros, câmeras e portarias apenas pra conter qualquer euforia; o candidato (extraoficial, ok?) do jornal nacional não comete delito; o candidato indígena fala em nome da família tradicional brasileira. O candidato das empreiteiras temerá delações, o candidato dos medicamentos venera as epidemias, o candidato advogado só pronuncia em gerúndio, o candidato alienado arranca gargalhos do povo. Todos eles são eleitos, todos têm o nosso voto, ninguém abre mão do foro, do privilégio, do motorista. Mas o candidato, gente, o candidato mente. Não importa se destro, canhoto ou ambidestro. E se nada der certo, temos a quem culpar. Vê se não é a desculpa perfeita? Adoeci? – acuso ao prefeito. O carro quebrou? – foi o governador. Meus filhos se perdem, meu desejo não cumpre, o asfalto rastela a pele do joelho caído? – o presidente está aí para isso. Demagogias à parte, vamos nos identificar: como ao mundo mudar? Protesto! – dessa vez eu não vou mais votar. Até porque, se for pra existir um representante honesto, único, diferente totalmente de todo o resto: melhor eu mesmo me candidatar. Já até vislumbro aquele novo mundo, basta canetar. Qualquer assinatura há de bastar. É tudo tão simples, por que complicar? Ninguém é mais consciente, tão certo, correto e verdadeiro: como assim você não pode em mim confiar? Cuidado, senão o eleitor, por ser gente, mente. Aqui ou acolá.