EXALTAÇÃO AO PATRONO "DR. FÉLIX GUISARD FILHO"

DISCURSO DE EXALTAÇÃO AO PATRONO DA CADEIRA Nº 5

DA ACADEMIA TAUBATEANA DE LETRAS,

DR. FÉLIX GUISARD FILHO,

PROFERIDA PELO ACADÊMICO LUIZ ANTONIO CARDOSO

"Um país se faz com homens e livros" - escreveu Monteiro Lobato, o patrono da cadeira nº 1 da Academia Taubateana de Letras. E se o grande amigo das crianças, artista maior do mundo da imaginação, grande defensor de nossa pátria e da cultura, está correto, as academias de letras e demais instituições congêneres são, indubitavelmente, a essência de uma nação, pois são nessas organizações mui dignas, que se reúnem homens e livros! São nas academias que podemos entrar em contato com muitos amigos do saber, pessoas que sentem verdadeiro prazer em trilhar o infinito caminho que leva ao conhecimento, e que se rendem àquelas inigualáveis viagens iniciadas quando um livro é aberto!

Ah quando um livro é aberto! Quão mágico é este momento, quando iniciamos nossa jornada pelas páginas de um livro! Quando navegamos pelos capítulos em busca da concretização de mais uma aventura, que nos trará mais experiência, ampliando nossa cultura. Quando passeamos pelos recantos de uma página, envolvendo-nos com a mensagem que o autor ansiava nos passar...

quando, em parcos vocábulos, encontramos aquele conteúdo que parecia estar faltando em nossa vida, e que nos emociona, parecendo tocar profundamente nosso espírito!

Muitos amigos me questionam sobre o que viria a ser uma academia. Historicamente, o primeiro registro do termo academia surgiu em 387 a.c., com uma escola fundada pelo filósofo grego Platão, nas proximidades de Atenas, junto a um jardim que teria pertencido ao herói ateniense da guerra de Tróia, Academus. Daí a origem do termo academia. Platão pretendia contribuir com os variados campos do conhecimento humano, congregando pessoas com a mesma intenção sublime de elevarem a cada dia, suas capacidades intelectivas e culturais! Na Academia de Platão estudaram, dentre outros, Xenócrates e Aristóteles e ela serviria de inspiração para várias outras que surgiriam pelo mundo grego, e também para as futuras universidades que se espalhariam, séculos depois, pelo ocidente.

Nos séculos XIII e XIV, surgiram algumas academias pela Europa. Por volta de 1440, nasceu em Florença, na Itália, a Accademia Platônica, sendo um grande marco da renascença italiana, espalhando pelo mundo a luz das obras de Platão, bem como aprofundando o estudo da língua italiana e do grandioso poeta de Florença, Dante Alighieri.

Em 1635 foi fundada a famosa Academia Francesa que serviria de modelo à Academia Brasileira de Letras! A Academia buscaria tornar a língua francesa "pura, eloqüente, e capaz de tratar das artes e ciências". Estabeleceu-se que a Academia apresentaria quarenta cadeiras, com um patrono e um ocupante cada. O patrono seria uma personalidade de destaque nas letras e na cultura, porém, já falecido. Cada ocupante obteria tal condição ao ser eleito, após ter sido candidato à vaga, momento no qual apresentaria seu currículo e obras. Ao ser eleito, o acadêmico tomaria posse de sua cadeira, em sessão solene, realizando discurso em memória de seu antecessor naquela cadeira.

No Brasil, a primeira academia fundada foi a Academia Cearense de Letras, em 1894 e em 1897, após algumas décadas de demasiado aumento da efervescência cultural na cidade do Rio de Janeiro, onde se realizavam inúmeras reuniões e surgiam muitas publicações e periódicos literários, foi fundada à Academia Brasileira de Letras, tendo sido seu primeiro presidente o genial escritor Machado de Assis.

Em 1909, surge na cidade de São Paulo a Academia Paulista de Letras, seguindo os moldes da Academia Brasileira. Aos 28 de maio de 1999, é fundada a Academia Taubateana de Letras, na qual orgulho-me de ter sido eleito e de ter tomado posse, em sessão solene realizada no dia 11 de maio de 2000. E neste momento, já decorridos mais de cinqüenta meses, tenho a oportunidade de agradecer, sendo testemunhas todos os presentes, pela acolhida por parte dos acadêmicos fundadores desta Academia, e agradecer também aos excelentíssimos colegas acadêmicos pela experiência de conviver com grandes intelectuais, e pela oportunidade que tenho, de receber a cada evento ou reunião, grandes ensinamentos, tanto no campo intelectual como nos campos da moral, da espiritualidade e da ação.

Segundo Descartes, "não se tem valor nenhum se não se é útil a alguém". E penso eu, meus caríssimos e minhas caríssimas ouvintes, que aquele ser que passou sua existência em vão, sem estender a benevolente mão da caridade a seus pares, não mereceria um discurso em sua memória, muito menos pesquisas sobre sua vida, e ainda menos, ser honrado após décadas de seu desaparecimento, com o patronato de uma cadeira em uma academia de letras. Mas o ilustre Senhor que venho hoje, à sua memória, muito humildemente exaltar, não foi simplesmente honrado com uma cadeira desta insigne Casa de Letras, mas sim, honrou-nos com seu nome e seu legado insofismável a nossa querida Taubaté, cidade que tanto amou e em toda sua vida, engrandeceu-a.

Félix Guisard Filho foi um desses seres que parece ter vindo cumprir uma grande missão!

Incansável e polivalente, adentrou por diversos caminhos, nos campos do saber e da ação, destacando-se sempre pelo seu espírito sequioso de conhecimento e de realizações. Juramentado na ciência de Hipócrates, fez-se respeitado clínico a serviço de seus pacientes. Historiador extraordinário, documentou como nenhum outro a história de Taubaté e região. Político honesto e empreendedor, lutou para honrar não só cada voto que recebeu, mas para melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas que moravam em Taubaté! Industrial, comerciante, conferencista, professor, filantropo, pai, amigo, esposo, filho, líder! São algumas das funções que ele soube exercer com magnitude e com amor!

Félix Guisard Filho nasceu em Estrela, na raiz da serra de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, aos 31 de março de 1890, sendo o primeiro filho de Félix Guisard e de Jeanne Rosand Guisard. Ainda no ano de 1890 a família mudou-se para Taubaté, onde no ano de 1891 seu pai seria um dos fundadores da Companhia Taubaté Industrial, a famosa CTI, que alcançaria a privilegiada posição de maior indústria têxtil da América Latina, devido o talento e inato espírito empreendedor de seu genitor.

Guisard Filho fez seus estudos no renomado Colégio de São Luis, em Itu, interior do Estado de São Paulo, sendo aluno de padres jesuítas, aos quais se referia com imensa saudade, tendo saído diplomado em letras. Cursou a faculdade de medicina do Rio de Janeiro. Durante toda sua vida nunca deixou de considerar-se um aluno, tanto dos livros, que enfileiravam-se em sua majestosa biblioteca particular, contando com mais de onze mil volumes, como de suas pesquisas, em diversas áreas, como história, política, sociologia, educação, medicina, letras, dentre outras. Conforme o brilhante escritor francês Marcel Proust:

- "A sabedoria não nos é dada, é preciso descobri-la por nós mesmos, depois de uma viagem que ninguém nos pode poupar de fazer por nós". E Guisard Filho foi grande desbravador nessa viagem rumo à sabedoria, sendo extraordinário aluno da vida e do tempo, como nos ensinou a fenomenal poetisa de Goiás, Cora Coralina: "estamos todos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo".

Félix Guisard Filho casou-se com Maria Eulália Monteiro, filha de tradicional família taubateana, sendo pai de quatro filhos.

Como médico, foi integrante do corpo médico do Hospital Santa Isabel de Clínicas, tendo ocupado diversos cargos, chegando a Diretor Clínico. Assim como seu pai foi um dos provedores daquele Hospital. Constituiu um consultório médico em Taubaté, contando com a mais alta tecnologia de sua época, onde havia excelente instalação de raio X, diatermia, raios ultra-violetas e laboratório de análises. Foi nomeado pelo Sr. Secretário de Estado dos Negócios do Interior, conforme documento datado de 23 de dezembro de 1920, para o cargo de Delegado do Governador junto à Escola de Pharmacia e Odontologia de Pindamonhangaba. Foi sócio-fundador, membro da Comissão do Estatuto, Presidente da Assembléia de Instalação e Presidente da Assembléia Geral no período de agosto de 1949 a dezembro de 1952 da Associação Paulista de Medicina - Secção Regional de Taubaté; Conta-nos sua filha, Cecília, que quando se manifestaram os primeiros sintomas da enfermidade que o vitimou, ele afirmou que teria apenas um mês de vida, e assim o foi, provando até no limiar de sua existência o quanto era profundo conhecedor da medicina.

Seguindo as trilhas de Félix Guisard – pai, Guisard Filho fez-se fazendeiro, cultivando dentre outros, o feijão, o milho e o café. Mostrava grandes conhecimentos de agricultura, levando sua propriedade rural à condição de modelo para as demais. Tinha como passatempos os passeios de lancha e, principalmente, as caçadas.

Como político, foi na verdade um respeitável homem de Estado! Como afirmou certa vez, Willian Gladstone, ex-Primeiro Ministro Britânico, "o político pensa nas próximas eleições, o homem de Estado na próxima geração". E Guisard Filho pensava e agia além de seu tempo... foi eleito vereador para a primeira legislatura, exercendo um brilhante mandato de 1948 a 1951, tendo sido Presidente da Câmara Municipal de Taubaté, em 1951. Foi Prefeito Municipal de Taubaté, de 1952 a 1955, sendo grande batalhador pela melhoria de nossa cidade, atuando principalmente nas áreas de cultura, economia, saneamento básico e saúde. Foi em sua gestão que os serviços de águas se multiplicaram em Taubaté, chegando até bairros afastados, inclusive ao Distrito do Quiririm. E naquele distrito, naquele pedaço da Itália dentro de nossa cidade, onde nossos irmãos vindos do continente europeu tanto lutaram pelo engrandecimento dessa região, Guisard Filho fez inúmeras melhorias, que em uma belíssima carta assinada pelas famílias do Quiririm, enviada para a viúva do grande ex-Prefeito, logo após seu falecimento, podemos tentar mensurar a importância e o tamanho da gratidão daquele povo para com o Dr. Félix: "...não vai longe ainda o tempo em que o povo de Quiririm não tinha água dentro de suas casas. Isto parecia um sonho que apesar de acalentado, nunca se realizaria. Num momento passado também muito próximo a família do Quiririm e de seus bairros, o povo toda da várzea, nenhuma assistência médica recebia! Durante anos e anos que se sucediam, as famílias que não possuíam meios com que pedir socorro aos médicos de Taubaté, viam suas crianças nascerem e morrerem por falta da necessária assistência. Isto, até o dia em que o nosso amigo Dr. Félix, ao candidatar-se a Prefeito de Taubaté, prometeu-nos água, prometeu-nos assistência médico-sanitária e odontológica. Como explicava e provou depois, não eram promessas que visavam apenas angariar votos para logo ser relegadas ao esquecimento. Eram promessas feitas na observação das necessidades de um povo. Eleito Prefeito de Taubaté, sua primeira preocupação foi cumprir o prometido! Os trabalhos que ordenou foram feitos e, aquele memorável 15 de março de 1953 a água jorrou pela primeira vez, cantante, cristalina, inundando de alegria nossos lares. Num perfeito entrosamento de sua magistratura municipal com o poder estadual, Dr. Félix criou o Posto de Saúde do Quiririm com assistência médico-sanitária e odontológica. Já nos era possível respirar mais aliviados; nossos filhos não morreriam por falta de cuidados médicos. Muitas outras benfeitorias fez o bom amigo pelo nosso lugar. Enumeramos apenas a água e o posto de saúde porque, sendo os maiores anseios de nosso povo, foram os benefícios que mais gravaram em nossos corações a justiça, a bondade e a amizade do Dr. Félix.

Félix Guisard Filho também abriu as portas de Taubaté ao progresso, cooperando definitivamente para que grandes indústrias viessem, no porvir, a se instalar na então Capital do Vale. Como os que pouco fazem, adoram gastar seus preciosos tempos com banalidades e com críticas aqueles que se lançam realmente ao campo da ação, Dr. Félix recebeu em troca de sua dedicação como Prefeito de nossa cidade, por parte de alguns, a incompreensão e a injustiça.

Após o falecimento de seu pai, deixou de clinicar para render-se às funções de industrial, tornando-se um dos diretores da CTI, chegando ao posto de Presidente. Grande industrial, adentrou para o seleto grupo de diretores da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, tendo viajado ao Japão, em 1940, para visita ao pólo industrial japonês, analisando os problemas da indústria nipônica, representado à FIESP e o Governo do Estado de São Paulo, sendo que logo após seu retorno, expôs em relatório e em reunião, junto ao Palácio dos Campos Elíseos, em São Paulo, dados, com extrema precisão, daquilo que havia verificado no outro lado do planeta. Foi homenageado em reunião ordinária, aos 07 de março de 1956, quando o Dr. Pupo Nogueira, então Presidente da FIESP, pronunciou-se exaltando as qualidades e trabalhos prestados pelo Dr. Félix em prol do progresso de nossa terra.

Foi grande intelectual, um dos maiores da história de nossa cidade, sendo excelente orador e conferencista, dissertando sobre assuntos diversificados, como comércio, educação, história, industrialização, política, problemas sociais e saúde. Realizou diversas viagens pelo mundo, aumentando sua já monumental cultura e sua visão, que ia muito além dos horizontes.

Mas foi como historiador que, na nossa humilde opinião, Félix Guisard Filho alcançou seu mais imponente destaque. Pertenceu a diversas instituições culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, a Associação Brasileira de Imprensa, dentre outras. George Santayana disse: "aquele que não pode recordar-se do passado está condenado a repeti-lo". E o Dr. Félix contribuiu definitivamente para que isso não ocorresse com o povo taubateano. Foi um dos maiores, senão o maior (como muitos consideram), historiador sobre Taubaté e região. Pesquisou com afinco e devoção inúmeros documentos históricos de Taubaté, do vale do Paraíba e Litoral Norte, além das atas da câmara municipal e valiosíssimos registros cartoriais de Taubaté. Sua vontade de contribuir para com a história era tanta, que empreendeu, em 1928, viagem à Torre do Tombo em Portugal, e a Biblioteca Real de Madrid, na Espanha, para colher apontamentos sobre a história de Taubaté. Publicou com recursos próprios, em prol da documentação, visando à preservação da memória histórica de nosso povo, os seguintes livros:

- "Biblioteca Taubatena de Cultura – Achegas à História de Taubaté", composta de 5 volumes, sendo:

I – "Jacques Félix" (Athena Editora, São Paulo, 1938);

II – "Convento de Santa Clara" (Athena Editora, São Paulo, 1938);

III – "Nome, limite e brasões – Itacurussá" (Athena Editora, São Paulo, 1939);

IV – "Índice de Inventário e Testamentos" (Athena Editora, São Paulo, 1939);

V – "D. Rodovalho e D. José" (Athena Editora, São Paulo, 1939);

- Achegas a História do Litoral Paulista, composta de um único volume:

I – "Ubatuba"

- "Taubaté – Documentos para a História do Vale do Paraíba", com 10 volumes:

I – "Taubaté – Papéis Avulsos – 1822-1854" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1944);

II – "Taubaté – Papéis expedidos pela Câmara – 1853-1869" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1944);

III – "Taubaté – Papéis recebidos pela Câmara – 1854-1872" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1944);

IV – "Taubaté – Atas da Câmara – 1780-1798" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1943);

V - – "Taubaté – Atas da Câmara – 1842-1856" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1943);

VI – "Taubaté – Atas da Câmara – 1857-1868" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1943);

VII – "Taubaté – Atas da Câmara – 1869-1879" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1944);

VIII – "Taubaté – Atas da Câmara – 1823-1837 e 1880-1883" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1944);

IX – "Taubaté – Atas da Câmara – 1884-1886" (Indústria Gráfica Cruzeiro do Sul, São Paulo, 1944);

X – "Taubaté – Atas da Câmara – 1887-1890" (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1944);

Publicou também o livro biográfico:

- "Dom José Pereira da Silva Barros – sua vida e sua obra" – Publicação comemorativa do III Centenário de Taubaté - 1645-1945, (Empresa Editora Universal, São Paulo, 1945);

Publicou ainda, diversos artigos, opúsculos, crônicas e relatórios em diversos jornais e revistas culturais dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Colaborou com o Ateneu Paulista de História e com o Instituto Histórico e Geográfico de Guarujá-Bertioga;

Escreveu pequena biografia do "Padre Carlos", irmão do Padre Rodovalho e uma apostila sobre os "Limites de Taubaté".

Dentre suas inúmeras palestras e conferências, citamos uma organizada pelo Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de Taubaté, realizada no Taubaté Country Club, aos 16 de dezembro de 1940, onde dissertou sobre o tema "Bandeiras e Bandeirantes de Taubaté".

Também auxiliava com imensa boa vontade a todos os historiadores e pesquisadores que batiam à sua porta ou lhe enviavam cartas.

Ao encerrar do ano de 1959, a Câmara Municipal de Taubaté prestou belíssima homenagem ao Dr. Félix, com a presença de autoridades e grandes personalidades taubateanas e da região. Os vereadores Dr. José Luis de Almeida Soares, Dr. Benedito Elias de Souza, Dr. João Guilherme de Oliveira Costa e Sr. Ameleto Marino fizeram discurso em sua homenagem, que por ele foi respondido com o mesmo brilhantismo usual. Essa homenagem serviu como um desagravo ao grande homem público, historiador, industrial, fazendeiro, que tanto amou esse pedaço de chão. Escreveu sobre este episódio, nosso ilustre colega acadêmico Waldemar Duarte: - "...em certa época combatido duramente, injustiçado, incompreendido, sob a inevitável lei do mundo... e hoje, serenados os ânimos, restabelecida a verdade, vem o legislativo, que representa o povo e o desagrava, dando-lhe este honroso título de Cidadão Taubateano numa mensagem de reconhecimento da cidade por ele servida e engrandecida. Ainda bem. A justiça é sempre bem recebida".

Um fato curioso sobre os estudos e pesquisas históricas realizadas por Félix Guisard Filho, citado por Francisco Sodero Toledo, deu-se quando ele afirmou que a velha Casa de Fundição de Taubaté estaria localizada onde hoje é a Praça Monsenhor Silva Barros, atrás do Fórum, o que levou alguns moradores daquelas redondezas a escavaram seus próprios quintais em busca de barras de ouro que poderiam ter sido extraviadas.

Dentre os variados artigos escritos pelo Dr. Félix, salientamos um da década de 30 do século XX, sobre as escolas nas roças, onde ele fala sobre os problemas das crianças fora das escolas. Ele dissertou, baseado nos dados do Censo de 1934, que naquela época, dentre as crianças de 7 a 14 anos, apenas 41% freqüentavam as escolas, havendo mais de 700.000 crianças analfabetas e um déficit de 500 unidades escolares. Neste artigo ele demonstra toda sua preocupação com a população e com problema da educação e da cultura, bem mais precários naqueles idos. Fala da tristeza que o acometia ao ver que apenas 10% dos recursos orçamentários eram gastos com educação em nosso estado, enquanto nos estados norte-americanos eram gastos 33%. Denuncia os quilômetros e até léguas que alguns alunos tinham que andar para chegar às unidades escolares. Defende os professores que enfrentavam problemas com alguns fazendeiros que dificultam o nobre exercer de tão magnânima profissão! Denunciou a falta de higiene, o isolamento, o material escasso e o ordenado minguado.

Em 1937 prestou valiosa colaboração nas festividades do "III Centenário da Fundação de Ubatuba".

Em 1938, foi nomeado por força da Portaria nº 128, do Prefeito Municipal de Taubaté, para exercer o cargo de Diretor do Museu Histórico Municipal de Taubaté.

Em 1960 foi designado pelo Excelentíssimo Governador do Estado de São Paulo para integrar o Conselho de Desenvolvimento do Vale do Paraíba, conforme Decreto publicado no Diário Oficial do Estado, de 8 de julho de 1960;

Ainda em 1960 recebeu Ofício da Câmara Municipal de Taubaté, assinada pelo então Presidente do Legislativo Taubateano, Dr. Benedicto Cursino dos Santos, que enviou requerimento de autoria do Vereador Ulysses Pereira Bueno, solicitando sua cooperação na elaboração da Bandeira de Taubaté.

Em 1962 recebeu Ofício da Câmara Municipal de Taubaté, convidando-o para participar na qualidade de Presidente da Comissão de estudos das festividades do IV centenário do "Armistício de Iperoig", em Ubatuba, que ocorreu no mês de setembro de 1963.

Agora gostaria de falar do grande homem, amigo da caridade, amante de seus semelhantes. Nota-se que em todas as áreas em que atuou, o Dr. Félix deu mostras de grande desprendimento e de amor fraternal. Em 1944, O Dr. Humberto Dantas, da FIESP, enviou-lhe uma carta de agradecimento que comprova um pouco da benevolência que nosso patrono trazia consigo. Passo a transcrevê-la:

"... 2. É realmente animador verificar como, entre nós, já se erguem em outras bases as relações entre patrões e operários.

3. Tudo, para nós, Dr. Guisard, foi edificante. Senti-me verdadeiramente emocionado ao notar, entre os garotos do grupo escolar comendo a sopa dos alunos, uma criança filho de sua parenta próxima. Na representação de teatro, ao lado do operário mais humilde, (alguns homens de cor) notei a presença de gente de seu sangue.

4. Um grande senso de bondade, de caridade bem compreendida anima toda a obra gigantesca que o senhor e seus irmãos e parentes estão levando a cabo, sob o olhar e supervisão de D. Jeanne Guisard...

6. Os homens de dinheiro de nossa terra deveriam visitar Taubaté. Veriam, pelo exemplo da CTI, quanta coisa admirável se pode fazer com o dinheiro que em boas mãos, bem aplicado, deixa de ser a expressão de um egoísmo individual, para ser um instrumento de bem estar e felicidade gerais. Quando morre um homem rico de nossa terra, o que ocorre freqüentemente é a corrida dos herdeiros esfaimados atrás do melhor bocado. Félix Guisard, nisso como em tudo mais, foi uma creatura a que Deus tocou com sua graça. Os filhos herdaram-lhe a fortuna em dinheiro, mas também um outro legado muito mais precioso: a grandeza de sua alma, um grande e nobre espírito

voltado para o bem estar de seus semelhantes ".

Dr. Félix realizou várias obras de caridade para com diversas instituições carentes da região. Citamos apenas como exemplo o Asilo São Francisco de Taubaté e o Pensionato Maristella de Caraguatatuba;

Em 1947 enviou carta ao Secretário da Viação, solicitando reformas na Rodovia Taubaté - São Luis do Paraitinga – Ubatuba.

Félix Guisard Filho faleceu aos 06 de outubro de 1964, aos 74 anos de idade, em Taubaté. Foi grande a comoção e a tristeza do povo taubateano, que não se importando com o mau tempo daquele dia, saiu para despedir-se e prestar suas últimas honras ao caridoso doutor, misturando-se às lágrimas de todo o povo com a do céu taubateano... uma bela carta do então Vereador Waldomiro Berbare, resume o que sentiu a sociedade taubateana naqueles momentos:

- "...Taubaté inteira chorou o seu desaparecimento, e apesar do mau tempo, todas as classes sociais deixaram seus lares, para em uma comovente romaria, acompanharem o grande, o caridoso, o intelectual até a sua ultima morada...

... o nosso querido chefe que tanto estudou e desvendou a história de nossa Taubaté – hoje, entra triunfantemente, para a página da mesma."

Dentre outras homenagens póstumas de Taubaté ao seu grande benfeitor, Dr. Felix Guisard Filho teve seu nome dado a uma rua, uma escola, ao acervo histórico municipal, a uma biblioteca em uma faculdade, dentre outros.

O Excelentíssimo Sr. Juiz de Direito da 1º Vara da Comarca de Taubaté, Dr. Lair da Silva Loureiro, baixou a Portaria nº 410/64, pela qual determinou "o encerramento do expediente forense da Comarca, na data de 06 de outubro de 1964, a partir das 15 horas, permanecendo fechado o Palácio da Justiça, em homenagem póstuma ao pranteado extinto".

Várias foram às manifestações, inúmeras as correspondências... citaremos apenas algumas correspondências de caráter oficial, recebidas pela família:

- Carta da Associação dos Antigos Alunos da Companhia de Jesus, de São Paulo, assinada pelo Padre Aristides Grave, S.J.;

- Ofício nº 101/64, do Taubaté Country Club, assinado pelo Presidente, Prof. Theodoro José Lucci;

- Ofício nº 1065/64, da Câmara Municipal de Taubaté, assinado pelos Vereadores Ézio Pacini (Presidente) e Evandro Campos (1º Secretário);

- Ofício nº 468/64, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Taubaté, assinado pela Diretora, Dra. Maud Regos Sá de Miranda;

- Ofício nº 926, da Câmara Municipal de Guaratinguetá, assinado pelo Presidente Vereador José Jorge Boueri;

- Ofício nº 231/64, da Diretoria Regional da CIESP, de Mogi das Cruzes, assinado pelo Delegado Regional, Benjamim Solitrenick;

- Ofício nº 342 da Câmara Municipal de Jacareí, assinado pelo Presidente, Vereador Prof. Dirceu Junqueira;

- Ofício nº 806, da Câmara Municipal de São José dos Campos, assinado pelo Presidente, Vereador Francisco Pereira de Faria;

- Ofício nº 17830 da CIESP, de São Paulo, assinado pelo Presidente, Raphael Naschese;

- Carta do Arcebispado de Niterói, assinada pela Arcebispo, Dom Moraes;

- Ofício nº 319/64, do Gabinete do Prefeito Municipal de Taubaté, assinado pelo Prefeito, Fábio Nelson Guimarães;

- Ofício nº 625/64, da Câmara Municipal de Pindamonhangaba, assinado pelo Presidente, Vereador Francisco Piorino Filho;

- Carta do Instituto São Rafael de Taubaté, assinada por Oswaldo Barbosa Guisard (Presidente), Cel. Cândido José de Lima (1º Tesoureiro), Armando Azzolini (2º Tesoureiro) e pelo Dr. Jurandir Montovanni (Procurador);

- Ofício nº 246/64, da Câmara Municipal de Tremembé, assinado pelo Vice-Presidente, Vereador Quintino Brotero de Assis e pelo Secretário Geraldo Costa;

- Carta da Venerável Ordem Terceira de Taubaté, assinada pelo Diretor, Frei César Maria de Taubaté;

- Carta da Associação Paulista de Medicina – Secção Regional de Taubaté, assinada pelo Presidente, Dr. Tarcizo Leonce Pinheiro Cintra;

Dr. Félix foi-se para sua última viagem, deixando para seu povo a amarga saudade e em todos a certeza do dever cumprido, embora, pelo espírito incansável que possuía, talvez tenha partido pensando que restava algo a fazer, como escreveu Santo Agostinho: "mesmo que tu já tenhas feito uma longa caminhada, há sempre um caminho a fazer".

Não se preocupe, Dr. Felix Guisard Filho, pois nesse tempo, onde o capitalismo exacerbado parece corroer as virtudes intrínsecas da alma, fortalecendo as raízes insanas e malévolas do egoísmo, onde vemos trabalhadores carregando seus pesados fardos, desrespeitados pelos patrões, lembramos, através dos registros escritos e orais, de como a CTI tratava de seus operários, da bondade que emanava de sua belíssima alma, que parece ter herdado de seu inesquecível pai. E a história que o Senhor tanto engrandeceu, mostra-nos que foi um industrial que respeitava seus comandados. Um líder dotado de todas as qualidades necessárias e com a alma fervilhando da mais pura caridade cristã!

Quando vemos médicos maltratando seus pacientes, quando nos deparamos com o descaso nos postos de saúde de atendimento público, com comerciantes inescrupulosos vendendo órgãos humanos, lembramos de sua dedicação à medicina, do amor que possuía pela bela profissão, sendo que durante anos de sua vida, foi também provedor da Irmandade de Misericórdia do Hospital Santa

Isabel de Clínicas de Taubaté! Assim como ensinava na prática, outro grande médico de Taubaté, Dr. José Luis Cembranelli, citado pelo também gigante na medicina, na cultura e na evolução como ser humano, Dr. Hugo Di Domênico:

- "A medicina como um sacerdócio e como uma iniciação espiritual". E a história que o Senhor, grande médico Dr. Félix, tanto amou, mostra-nos que foi um sacerdote médico em busca do cumprimento de sua missão!

Quando vemos grandes oradores políticos prometendo que resolverão todos os problemas da população, porém, somente retornando ao mundo dos mortais após quatro anos, quando se faz necessário pisar novamente no curral eleitoral, para lançarem nova leva de promessas que novamente não serão cumpridas, lembramos de sua dedicação e prontidão em atender as promessas de campanha, quando no remoto ano de 1951, era Presidente da Câmara Municipal e candidato a prefeito de Taubaté, sendo profundo conhecedor da história, das necessidades e do anseio do povo taubateano, elaborou suas propostas com exatidão e carinho. E a história que o Senhor tanto engrandeceu, mostra-nos que foi um político honesto e cumpridor de suas tarefas e promessas.

Quando vemos tantos historiadores e biógrafos que ao contrário do que deveriam fazer, por ganância, em busca de recursos financeiros ou de poder, deturpam os fatos, registrando para a posteridade nada mais do que a mentira e a perversão de suas mentes, lembramos do quanto o Senhor fez em prol da história, realizando viagens até mesmo para o velho mundo, e publicando

coleções, tudo à custas de seus próprios bolsos, para engrandecer e documentar a história da terra que lhe viu menino, e que o Senhor tanto amou.

Hoje, após quarenta anos de sua transição para o mundo espiritual, podemos afirmar que cumpriu com retidão e brilhantismo sua missão. A história, da qual o Senhor foi grande protetor, incentivador e uma das maiores autoridades, hoje registra sua passagem pela vida com esplêndida reverência

e êxtase!

Pode até grande parcela da atual e das posteriores gerações desconhecerem a grandeza de seu espírito, mas suas obras espalham-se pela cidade, seus livros possuem lugar de destaque nas bibliotecas públicas e nas particulares, e todo aquele historiador, ou como eu, mero cidadão enamorado pela história e pelo povo de Taubaté, aventurar-se pela encantadora viagem aos registros da vila de Jacques Félix, irá deparar com sua grande personalidade, e irá curvar-se diante de seus escritos, comprovando por si próprio, toda a grandeza de seu trabalho como desbravador daqueles acontecimentos que se diluíram perante a marcha incontestável e infinita do tempo, muitos deles somente presentes em nossos arquivos graças a sua obstinação e visão histórica privilegiada!

Agradeço ao Senhor, no poema "Contemplando o Amanhecer", que logo lerei, que sei ser indigno de figurar como mais uma homenagem realizada à sua memória, mas que serve como uma tentativa de expor a gratidão que, como taubateano de nascimento, amante da história, apaixonado pela minha cidade, admirador daqueles que praticam a caridade em todos seus santos aspectos, ofereço ao

Senhor e elevo ao local onde deve, neste exato momento, estar ocupado com tarefas benfazejas, em prol de seus irmãos em humanidade e a serviço de Deus.

CONTEMPLANDO O AMANHECER

Em memória de Félix Guisard Filho

Onde estará Félix Guisard Filho?

Estará no santo céu dos cristãos,

envolto por anjos e querubins?

Estará vivendo no mundo espiritual citado por Kardec?

Não passará de cinzas e de vagas lembranças,

como dissertam os materialistas antiteístas?

Onde estará?

Penso que deve estar, como sempre,

muito atarefado, realizando diversas missões!

Deve estar inspirando, ao lado do Dr. Cembranelli,

os médicos no exercer de suas valiosíssimas funções!

Possivelmente, ao lado de seu boníssimo pai,

deve estar enviando salutares sentimentos

aos patrões de nosso tempo,

para que tornam-se mais humanos e solidários!

Juntamente com Paulo Camilher Florençano

deve estar auxiliando aos amantes da história

a desbravarem as dificuldades em busca da documentação!

Deve estar nos corações de cada taubateano

que ama sua terra natal...

em cada bosque desta cidade,

contemplando o amanhecer,

saudoso daqueles idos

quando podia pisar por essas terras

e trabalhar diretamente por sua gente!

Deve estar em cada canto deste lugar...

em cada biblioteca, em cada obra pública,

em cada propriedade rural.

Deve estar contemplando

o crescimento taubateano,

sabendo que foi co-responsável por ele!

Deve estar contemplando o amanhecer de um povo

que em toda sua vida,

exaltou e amou!

Muito obrigado a todos!

Acadêmico LUIZ ANTONIO CARDOSO

Taubaté, aos 27 de outubro de 2004.

LUIZ ANTONIO CARDOSO
Enviado por LUIZ ANTONIO CARDOSO em 14/01/2008
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