O Quereres no divã - pequena análise da canção

O Quereres pode ser interpretada como uma canção, ou poesia musicada, onde o eu – lírico pensa o desejo e encontra o “eu” substancialmente refletido nas coisas. Fazendo com que o texto não seja um mero pensamento do eu - lírico sobre si mesmo, mas do eu - lírico sobre ser pessoa. Passando-nos a consciência de que o compositor pensou através da canção dando aos ouvintes um misto de ficção- tendo em vista que tratamos de uma obra de arte- com verdade existencial.

É interessante pensarmos O quereres a partir das coisas. O próprio querer é transformado em coisa pelo recurso da substantivação, enquanto figura como objetos que se alteram infinitamente ao decorrer da canção, só permanecendo o desejo que os liga. Ao discursar de forma que imagens se associam a coisas, pessoas e fatos nos insere como se fossemos o “tu” a quem tanto se refere numa atmosfera onírica onde o “eu” se transforma constantemente e onde tudo se desloca num passe de mágica. Temos aqui exemplos de deslocamento espacial e temporal respectivamente: de um canto ao mundo inteiro; de quaresma a fevereiro. Caracterizando um movimento permanente do ser .

Tudo isso nos passa a dimensão dos sonhos tão importante para a psicanálise. Temos o Eu e o Outro ligados pelo desejo desencontrado de ambos, numa comunicação por imagens oníricas percebemos que o compositor tenta nos passar uma linguagem em código inconsciente. A tal motivo podemos ligar a pouca inteligibilidade da letra em um plano superficial.

A negação do outro é tema central de O Quereres, assim como a indecisão do eu. A canção nos remete ao contraste entre duas pessoas afetivamente envolvidas. O queres trata então do desenvolvimento dessas duas pessoas adultas em seu relacionamento amoroso. Seria então se relacionar o resultado aparente da identificação com a pessoa amada a “justa adequação” entre duas pessoas, um relacionamento perfeito seria assim como o das palavras formado por “métrica e rima” entre os relacionados.

O desejo só se dá quando o eu já se encontra definido e pode então se distinguir do outro. E nos versos finais (E, querendo-te, aprender o total/ Do querer que há e do que não há em mim) fica evidente a individualização através da relação com o outro.

Revela-se então a proposta do desejo que habita o inconsciente e faz dos sonhos e da imagem sua forma de expressão. Infinitivamente pessoal porque desejar não tem fim, porque desejar é expressão essencialmente humana, porque não se submete a regras. O desejo constrói sintaxe própria, não respeita gramática. Talvez por esses motivos, existam tantas antíteses oníricas ao ponto de confrontar figuras inanimadas, como se fossem a personificação do desejo.

Conotações intramelódicas

Para a interpretação de uma canção não podemos deixar de notar certos aspectos musicais, sendo eles responsáveis por ressaltar pontos favoráveis a interpretação da musica.

Caetano em sua interpretação que tomamos como oficial de O quereres ( No disco Velô de 197_, ano de lançamento da música) utiliza de uma técnica musical chamada vibrato, que consiste em mudar a frequência sonora de uma nota para fins de expressividade musical . A forma seletiva com que aplicou tal efeito é o que torna digna sua citação, Caetano ornamentou com o vibrato cada segundo substantivo dos versos transmitindo a idéia de valorização do eu em relação ao tu, devido a estrutura que predomina o poema.

Outro aspecto que gostaríamos que fosse notado é o uso diferenciado dos instrumentos para ressaltar versos a exemplo do gongo usado no fim do ultimo verso da terceira estrofe após a pronuncia de chinês extirpando as duvidas quanto a comparação uma vez que o gongo é elemento cultural de alguns povos orientais dirigindo assim a comparação com caubói. Ao fazer a análise dos instrumentos que musicalizam o refrão do poema, percebemos a mensagem subliminar inserida junto ao significado do refrão. Em termos técnicos musicais diríamos que o estribilho acompanha a estrofe paradoxal onde um instrumento de tonalidade natural grave assume tonalidade aguda, afim de realçar um som mais profundo emitido por um instrumento de natureza delicada tocado de forma agressiva. Neste caso o baixo é tocado em representação a flor e o saxofone soprano faz menção ao bruto, transformando até mesmo a melodia numa espécie de paradoxo.

É sem duvida uma obra de arte muito bem arquitetada, quando percebemos as relações entre suas estruturas que somente juntas podem fazer um sentido completo. Ou ainda juntas nos brindam com a dúvida, uma interpretação de mão dupla é o que ocorre o “Ah!” interjeição que introduz o refrão. Até mesmo na versão musicada o tom mediano no qual Caetano canta; nos deixa em dúvida se se trata de uma interjeição jubilosa ou de tristeza.