Contando histórias

Nunca imaginei ter a vida que tenho hoje. Ou melhor: sim, já imaginei, mas não havia imaginado que ela iria se concretizar com tanta rapidez...

É incrível poder ter acesso ao que eu quiser, à hora que eu quiser, através desta máquina de luz que ilumina meus olhos. Meu computador conectado ao mundo cresceu, de fato, como uma extensão de mim.

Ao lado de minha máquina, pousam a caneta, o diário, CDs de música, o copo de suco. Mordo a maçã enquanto mastigo as primeiras notícias do dia. Escrevo meu texto enquanto ouço flamenco. Continuo as conversas do fórum de ontem, discutindo a literatura e a poesia hoje.

Mais que uma máquina feita de plástico, metal e engrenagens de silício, meu computador conectado ao mundo virou minha janela para a História. Observo a historiografia da humanidade sendo feita e refeita a cada segundo, palpável, ao toque de meus olhos e dedos.

Estamos, sem dúvida alguma, criando novas formas de perceber e contar a história de nossa civilização. Se a História contada nos livros começou a partir dos registros e documentos, a História hoje é contada a partir dos documentos eletrônicos, e-papers. Papéis virtuais construídos por eletricidade.

A própria matéria de que são feitos os e-papers já lhes confere um sentido histórico fugaz: a História hoje é raio de luz, nuvem que passa, líqüida e volátil. Não dá para pegar com as mãos, nem caçar com os anzóis burocráticos dos empalhadores da História tradicional. O novo conceito de História, hoje, traduz-se de uma única forma: a História (com "h" maiúsculo) não existe senão como metáfora, como generalização abstrata para simples referência.

A história contemporânea é composta de múltiplas histórias, todas elas de igual peso e valor. E este pensamento multifacetado, na verdade, está em microescala no computador multimídia. Permeia as redes telemáticas, de cabo a rabo. É reflexo de nosso pensar globalizado, que cruza arquivos como quem mistura cores.

Mais que uma máquina, meu computador conectado é uma extensão de meus pensamentos, voz, vontades. Ele já está acostumado às minhas intempéries e rotinas, já sabe meus caminhos. Reflete minha história, a que digito dia após dia (ou noite após noite).

Minha história pessoal multimídia passa a ser coletiva a partir do momento em que é compartilhada, mediatizada. Transformada pela mídia, ela passa a ser a história de todos os que a lêem, que se identificam com ela.

Espalhada pela rede, ela é como fruto que se divide em sementes, plantando novos vínculos e gerando outras sementes. Romã cibernética.

Minha história pessoal on-line é árvore que se enraíza e que encontra outras raízes, links de outras gentes também plugadas em solo cibernético.

Eu escrevo, tu publicas, nós fazemos história. Nossa história cresce a olhos vistos, como pixels piscando na tela do tempo.

[Ensaio publicado originalmente na Revista Literária eletrônica nº 05, de fev/2004, do Portal CEN - Cá Estamos Nós - http://www.caestamosnos.org ]