AMOR E POSSESSÃO

“Amar sem ser amado vale a pena?”. (Interlocução proposta por Anand Rao, jornalista, blogueiro, poeta e músico, no Facebook: https://www.facebook.com/anandraomusico , em 29/03/2017).

"Ninguém a outro ama, senão que ama / O que de si há nele, ou é suposto.", Ricardo Reis, 10-08-1932, in “Odes de Ricardo Reis”. Fernando Pessoa, 1946, Ática, Lisboa (impr. 1994). Este heterônimo de Fernando Pessoa é lapidar e intenso no lírico-amoroso, um dos seus mais lúcidos momentos poéticos em relação ao amor. Sempre tive esta concepção, desde que me conheço por gente, e já “condenado à poética”. Intuía, desde os 13/14 anos, que sempre um dos polos amorosos ama mais do que o outro, ou até nem tem amor pelo outro polo afetivo, apenas supõe firmemente, e se entrega ao prazer do amar. Ama-se no outro, psiquicamente entregue ao principado da possessão sobre o objeto de seu amor. Portanto, respondo positivamente à questão exposta acima. E nem se trata de "valer ou não a pena", literalmente. Porque este questionamento é o que viceja na cabeça de terceiro (analista) e não na do envolvido no processo afetivo: o (cego) amante que não se questiona, e nem, a rigor, o amar é questionado, devido à paixão, a qual é imanente ao amar, e a tudo obnubila. Este está certo de sua posse, portanto, tudo vale ou terá valido, para quem ama neste patamar de possessão. E, de novo Pessoa responde: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena...", ao teor de um alargamento do que o mestre lusitano disse em “Mensagem”, de 1934, único livro seu publicado ainda em vida, próximo de sua despedida do plano terreno (1935). No poema “Mar Português”, de onde saiu o excerto acima citado, o seu amor é tão forte para com a sua (pátria) amada Portugal, que ele se declara virilmente. Algo similar ao que fez Vinicius de Moraes em relação ao Brasil, no poema “Pátria Minha”, de 1949, editado em Barcelona, quando em visita a João Cabral de Melo Neto, em edição mimeografada de 50 exemplares. Os versos são dedicados ao Brasil, sua pátria-mulher. Portanto, Anand Rao, humildemente, entendo que o "amar sem ser amado" é a mais forte urdidura da ação de amar, conforme já foi dito acima. Grato pelo questionamento sobre a temática, que sempre vem em boa hora. Parabéns!

– Do livro OFICINA DO VERSO, vol. 02; 2015/17.

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