Depois da Chuva.

A garotinha com bracinhos e pernas finas não consegue tirar os olhos do céu. É a primeira vez que vê um arco-íris.

Sempre desenhou, na escola, com sete lápis de cor diferentes, como sempre lhe disseram que deveria desenhar os arco-íris. Mas não sabia que eles existiam mesmo!

-Anda, filha, tá 'patetando' no meio da rua!-A avó, repreensiva, a arrasta pela mão enquanto caminham. A menina mantém a cabeça para o alto, tentando descobrir se o arco-íris acaba mesmo sobre algum telhado das casinhas brilhantes de chuva ou se vem de uma floresta encantada.

-Vóvó, olha! Um arco-iris!

Aponta com o dedinho.

-Menina, não aponta que teu dedo fica torto!

A pequena em suas chiquinhas não entendia por que uma coisa tão bonita pode entortar o dedo de criança, que não fez nenhum mal para merecer isso. Será que ele fica com raiva de ser apontado na rua e se vinga? Não queria ser mal-educada. Muito menos ter os dedos tortos. Recolheu a mão rápido, com os dedinhos dobrados e escondidos no babado do vestido.

-Mas vovó, por que o dedo fica torto?

-Porque é falta de educação ficar apontando...

Aí está: Sua avó sabia muito mais sobre arco-iris que ela, que nem sabia que eles existiam e só desenhava porque as outras crianças desenhavam também. Mas será que ela era a única na escola que nunca viu aquela maravilha antes de colorir o caderno? Ficou envergonhada com a possibilidade. Se sentia burra muitas vezes. As outras crianças sempre pareciam saber mais sobre tudo. Riam dela por não conseguir acompanhar as conversas sobre figurinhas de artistas e desenhos da TV. Gostava de falar de livros. As outras crianças não gostavam de falar de coisas chatas como essa. Pra que ler livros chatos se os desenhos já contavam as histórias?

Começou a procurar no arco-iris no céu limpo as linhas pretas que usava para separar as cores. Não encontrou. Era difícil separar cada uma! O amarelo parecia com o verde, mas cadê o laranja? E o vermelho? Ficava no lugar errado. Precisava mesmo ter um lápis ali no meio pra arrumar aquela bagunça de cores!

Deu uma topada em uma parte quebrada da calçada. Sujou seu sapatinho verde e lustroso e sua avó impediu que a garotinha distraída se esborrachasse no cimento.

-Viu só? Viu só? Se não te seguro, ia cair de cara no meio da rua. Anda direito.

Manteve a mão firme, segurando a da menina. Aquela firmeza delicada de mãe ou avó, que se mostra forte e rígida, porém com a suavidade do amor de vó.

O arco-iris começa a sumir. A garotinha não quer perdê-lo de vista, mas também não quer tropeçar de novo ou bater de cara em nenhuma árvore pela calçada. Tenta acompanhar a avó que felizmente não anda tão rápido como o papai ou a mamãe. Mas, quando se tem pernas fininhas e mais curtas que as dos adultos, ainda assim é bem difícil. Atrapalhada em tantas tarefas ao mesmo tempo-acompanhar a avó, tomar cuidado coma calçada esburacada, árvores e postes- alterna os olhinhos pra cima, para frente e para baixo, não querendo perder aquele momento em que descobriu que um desenho na escola pode ser de verdade fora dela.

“Será que outras coisas que nunca vi, mas que desenho na escola, são de verdade?” “ Nunca vi uma fada! Deve existir, pois eu desenho também. Ou será que o que a gente desenha começa a existir?”-Pensa a menina mordendo os lábios em sua semente de filosofia infantil.

-Vovó! Vovó! Fadas existem?

-Existe, minha filha...-A avó responde distraída enquanto conta o troco das bananas em frente a banquinha de frutas. A vendedora sorri para a menina enquanto coloca a penca em uma sacolinha azul.

-Mas existe onde?

-Elas se disfarçam pra se esconder das pessoas e não serem incomodadas quando vão comprar bananas. -A avó entra no jogo, alimentando a fantasia da criança, mas também com certo cansaço da tagarelice da pequena.

-Já viu uma, vó?

-Não... Sim. Quando eu era criança.

-Mas se elas se escondem, como a senhora viu uma?

A avó ri e novamente segura a mão da netinha, apressando o passo para não se arriscar com outra chuva pelo caminho.

-Eu tinha algumas no meu caderno da escola. Eu recortava de revistas e colava. Tinha algumas na parede do meu quarto.

-Ah, mas isso não é ver uma fada de verdade! Eu quero saber se a senhora viu uma assim de verdade, como o arco-iris ali em cima!

Faz menção de apontar na direção do já desbotado e quase desaparecido fenômeno, mas lembra da repreensão da avó e da ameaça de ter seus dedinhos entortados pelo arco-íris mal humorado. Recolhe a mãozinha novamente para debaixo dos babadinhos da gola do vestido verde com estampas de gatinhos brincalhões.

-Mas aquilo é uma coisa real, que aparece depois da chuva, amor.

-Fadas aparecem quando então?

-Quando você desenha. Você acredita nelas?

-Nunca vi uma... A menina se anima com a confirmação de sua teoria.-Mas também nunca vi um arco-íris antes. E ele existe, olha só...- Indica a direção com os beicinhos.

A avó diminui o passo e sorri observando a garota. Em sua pressa de realizar as tarefas de casa e comprar bananas, deixou de apreciar a vista, de notar o arco-íris ou de pensar em fadas. Quando foi que se esqueceu de notar as belezas do mundo? De ficar encantada com novas descobertas e notar a natureza?

Estavam em um parque agora. Decidiu para um pouco e andar pelo gramado.

-Quer um sorvete, filha?

-Quero! Responde a menina, com os olhinhos de âmbar ao ver o carrinho da praça. - E vou desenhar as fadas quando chegar em casa, pra elas visitarem a gente...

Nenhuma tempestade caiu novamente pelo resto daquela tarde. No fim do arco-íris, o tesouro verdadeiro é aproveitar a vida depois da chuva.

Paula Adler
Enviado por Paula Adler em 06/04/2017
Reeditado em 06/04/2017
Código do texto: T5962784
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