Por uma leitura de Medusa entre “animus" e "anima” para nossos dias. J B Pereira – 20/04/2017

Ofereço ao psicólogo como gratidão de seu trabalho profícuo: José Ravanelli Neto

Friedrich Nietzsche: “Um passo adiante na convalescença: e...

“Um passo adiante na convalescença: e o espírito livre se aproxima novamente à vida, lentamente, sem dúvida, e relutante, seu tanto desconfiado. Em sua volta há mais calor, mais dourado talvez;sentimento e simpatia se tornam profundos, todos os ventos tépidos passam sobre ele. É como se apenas hoje tivesse olhos para o que é próximo. Admira-se e fica em silêncio: onde estava então?”

Friedrich Nietzsche. https://pensador.uol.com.br/frase/MTMwMTcwNg/

Trazer à luz o mito ao contemporâneo é tarefa árdua e polêmica. Porque incorremos em contradições inerentes ao próprio mito. Ele sempre nos esconde e deixa à penumbra cacos da história pessoal e social. Antes de tudo, a antítese se associa à hipérbole e ao paradoxo das investidas dos riscos do devir e da crença do destino. A moire se esbarra ao porvir, o medo ao desejo de superar perigos, a necessidade de provar e auto afirmar-se com o propósito de ser injustiçado sem a lógica convincente. Essas premissas talvez nos preparem para esmiuçar simbólica e paradigmaticamente o mito medusante contra nós e nossas fantasias e teimosias ou o risco de olhar diretamente para nós e nosso passado. O que é que nos petrifica? O que nos impulsiona a transgredir? Depende de quem e de onde ou por quais motivos a saga da vida e as aventuras ou desaventuras ocorrem com ou sem nossa volição. Medusa vive a ambiguidade de sua beleza, feiura fenomenológica ou geneticamente possível ou dos pais monstrengos, a inocente dedicação de vestal de templo de Atenas ou a maldição ou ojeriza de homens ao seu ambiente rupestre, calada ou silenciada como tantas mulheres injustiçadas ou a revolta reprimida à margem da sociedade ilustrada para o campo “tártaro” clássico-gótico de mistérios cadavéricos, entre o jardim pseudo-paradisíaco e a caverna primeva de estátuas ácidas e argilosas...

Entre claridade e trevas, sua vida foi um lapso e silencio. Voz e vez negadas em nome dos deuses e poderosos. Por muito tempo ou séculos, mulheres foram esmagadas. Mortas. Queimadas. Expulsas. Amputadas. Infernizadas. Inferiorizadas. Temidas. Perseguidas, desejadas e abandonas. Amaldiçoadas. Oferecidas aos deuses em holocausto. Moeda de troca entre reinos. Casamentos impostos. Tréguas entre impérios. Helena de Troia que foi da Grécia. Santas e demónios do Romantismo. Deixadas de lado no tempo de Jesus. A pecadora pública. Madalena. Poderosas mortas e suicidas: Cleópatra. Na mitologia, fortes e sensuais quando deusas. Atrevidas como Eva, Dalila e Pandora. Eleitas como Sara, Ester, Rute, Judite, Isabel e Maria de Nazaré. Por muito tempo, evitadas e aprisionadas, humilhadas – vencidas ao vencedor macho. Vendidas ao homem e vigiadas pelo Clã. Roubadas dos Etruscos e Sabinos. Hoje ainda ganha milhões a escravidão branca, mulheres circulam nos continentes sem rumo e domesticas pela globalização e capital. Mortas antes, durante e depois de nascer. Enterradas vivas, refugiadas com seus filhos, abusadas em guerras, abortadas em gravidez e nos seus sonhos de menina e moça, mulher e cortesã. Disse Jesus: “ - Elas entrarão no Reino primeiro do que os fariseus...”

Tudo depende do ângulo da história ou do olhar ou miragem de quem pousa a vir e ver a cena e a interagir entre o interior das consciências e o exterior do jogo desigual das lutas e histórias dos vencidos e vencidas. Nascemos de uma mulher. Somos de mulheres ou não! Somos de mulheres ou não? Somos diferentes e iguais em direitos e obrigações, nem melhores e nem piores. Temos animus e animas dentro de nós: a alma e o desejo de psique de quem deseja e precisa de outro e de outra diferente a mementos (nosso cemitério interior de vozes e mulheres que estão dentro de nossa mente e memória dos mortos a quem cultuamos ou não) e temos vozes vivas dos momentos que vamos vivendo (de pessoas e mulheres-pessoas que vão inculcando e intensificando e incomodando nosso ego e superego, nossas sombras e desejos, nossos pratos e camas, nossas profissões e viagens, nossas aventuras e frustrações, nossas alegrias e canções, poesia e prosa...).

O subalternismo foi objeto de combate vigoroso do feminismo desde o século XIX com tantas mulheres que se enfeitavam para serem vistas e votarem, trabalharem e sair de casa, ter direitos e se “igualarem” ou terem condições iguais aos dos homens em sociedade e nas fábricas, escritórios e igrejas, na política e em casa. Mas, ainda muitas são deixadas de lado, mal pagas, mortas, etc.

Medusa é o símbolo da mulher que segue adiante contra o sistema, sem amparo... Envelhece, vive do ostracismo, estranhamento, de mão em mão, tendo de dar de si o melhor mesmo depois de morrer, seja para os ex-tudo e ex-nada, seja para “purgar seu erro” ... Elas caem ao fundo do poço da existência e deduzem seu nada e nada valer. No entanto, seu sangue nos cura, purifica... Como das veias de Maria o sangue de Jesus nos salva do pecado... Como Madalena vence o mal. Muitas lutam para exorcizar os males de sua vida... Caem e levantam. Levantam e caem... O mito do eterno retorno. Mito de todos nós. Homem e mulher, Eva e Adão. Maria e Jesus, Medusa e Perseu...

O equilíbrio entre homens e mulheres faz a diferença, bem a todos. Todos se autocontemplam e redimem e se refazem... Não precisam se punir no plano utópico. Mas, a história é paradoxal, os desiquilíbrios vêm e vão: muitos aprendem ou não. Crimes, maldades, injustiças, contradições, preconceitos, vampirizações, contos de fada escondem a ideologia e os homens e suas culpas. É mais fácil punir e vigiar as mulheres, tidas como frágil sexo e bruxas a serem inqueridas e queimadas em praça e desmioladas em laboratórios e apodrecidas em cárceres. Tidas como loucas e putas, santas e místicas. Cada uma história implica que são faceiras e fortes, capazes de nós surpreender e enlouquecer quando as amamos e por elas nos apaixonamos.

Medusa a virgem violentada e a mulher perseguida sempre. Em tudo e a pretextos, é a mulher de poderes misteriosos e poderosamente funcionárias para quase-tudo. Embora não pisassem nas peças dos teatros para representar, fossem analfabetas rainhas, monjas solitárias e místicas em êxtases, revolucionárias da tomada de Bastilha, hiponotizadas por Freud, pintadas por mestres, poetizadas desde muito, conclamadas por Shakespeare, idílios e lirismos e sonetos camonianos, desejadas por Vinícius de Moraes, cantadas por medievos, rechaçadas por alguns Essênios, domesticas pelas culturas, lutaram silenciosa e à custa de suas vidas contra tudo e todos, até sua atual e contraditórias vida extra-lar e vida politizada e desejo de não serem enganadas. Serem livres! Donas dos próprios narizes. Maria da Penha ficou na cadeira de roda depois de tiros do violento marido... Vincou-se em lei. Maria trocou o nome de Eva por Ave-Maria na visão angelical da anunciação do Verbo de Deus, Jesus, seu Filho Divino. A serva vira rainha do cristianismo.

A mulher dona do lar vira mulher dona dos povos... a preço muito alto de crises, brigas, promoções, projeções, deduções, miss, profissionais de todas as profissões... Isso ainda incomoda tanto? Veja as fotos antigas e as de hoje, parece que estranhamos as mulheres. São sempre mulheres, mas não as mesmas!

Medusa de linda e feia um pouco se ajeita em nós, petrificando-nos e nos libertando de nossa ignorância e medo... desatinando reinos e desafiando crenças e destinos. Não se faz mulher como antigamente. Antigamente, não se fazia mulher como hoje. As mulheres são engendradas histórica e culturalmente. A mulher não nasce pronta é gerada e recriada a cada cultura, ano, mentalidade, século, geração... Como saber o caminho certo, se não tentarmos. Como sair do erro, se não esforçarmos. Se fôssemos mulheres, talvez entenderíamos o que e como são conosco. Muitas pouco se conhecem – sabem que querem algo diferente, não se sabe de repente – se é zelo, paixão, tecnomania, delícia, emoção, rumo de realização.

Como elas, os homens se veem tentando ser homens e diferente de seus pais. Assimilando mudanças e vivendo a busca e encontro de mulheres de seu tempo. Abrindo mão de situações e desejos para tentar ser parceiros de mulheres que os queiram. Assim, os homens vivem pra o lar e a mulher para o trabalho: ambos lutam pra criar os filhos e serem do bem e acertarem o caminho juntos...

Muitos terão ido embora, outras poderão não sentirem a atratividade do lar... Restará talvez a festa das núpcias de um lance ou facebook para o futuro. E os filhos irão trilhar estradas diferentes de seus progenitores. Negócios e amizade à parte. E o lar em último lugar? Depende de cada mente e coração em jogo, o futuro da família vem mudando radicalmente agora com o status da liberdade e da tecnologia da rede social e um amor virtual e em expansão.

Mulheres lindas se sentindo feias... Homens caçadores de mulheres das noites dos tempos em ação com propósitos outros para conquistar poder, situação, fama e outras mulheres e empresas. Assédios e acessos...

O claro e o meduloso, o olhar e a luta, o vencido e vencedor, o punido e o indiferente, o agora e a manhã, pode tudo mudar, tudo é descartável. Tudo que é sólido ao ar desmancha... É preciso ser forte e corajoso e recomeçar quando nos sentimos náufragos de nós mesmos. Não estamos sós. Outros vão nos amparar: há uma sustentabilidade das terapias e os vencidos não desanimam até sentirem capazes de convalescer, sem matar-se, sem enlouquecer, sem automutilarem, nem se fecharem em autocomiseração inútil.

É preciso elaborar perdas, perdão, permissões, rever transferências, transgressões, saídas contra a culpa, o medo, o ressentimento e nova e sutil energia de devir e recomeçar a ser projeto, que se lança ao futuro, consolidando novos pressentes na história de revisão e revitalização da psique, das vidas sem receio de um novo amanhecer depois das noites difíceis, coragem de forjar em nós o homem novo e a mulher nova que deixamos vir à tona na vida de cada dia nosso.

Nós somos o projeto que esperamos ser, ser o que podemos viver, viver o que ainda se pode respirar, respirar o que lenta e corajosamente podemos anunciar como esperança e um caso de vitória, contra tudo que nos rouba de nós mesmos. Juntos somos fortes. Antes de nós outros muitos e muitas também lutaram para dar sentido às suas vidas e suas decepções, deixaram fruir seus corações e ampararam a esperança – vencendo-se a cada dia, momento... Libertaram-se de si para começar a viver como um outro mais forte e vital ou um mesmo audaciosamente construtor de um eu melhor e ético, saudável e aberto a si e aos outros. Só por hoje viverei! Devagar se vai ao longe! Consegui viver com meu medo, meu stress, meu passado não me impede de ser eu mesmo (a). Entreguei-me ao poder absoluto minha vida na vontade de que encontrasse força e saúde na forma que eu concebo e percebo. “Caminheiro, pouco a pouco, o caminho se faz... É preciso deixar tudo o que passou e continuar... passo a passo... o caminho meu se faz comigo... contigo... ‘

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“Caminheiro, você sabe, não existe caminho.

Passo a passo, pouco a pouco e o caminho se faz.

(Canção - http://www.fdz.org.br/espaco/musicas/caminheiro.html)

1. Perdido, confuso, vazio, sozinho na estrada tentando encontrar um caminho que seja

o meu, não importa se é duro, eu quero buscar.

2. Iguais, são todos iguais, ninguém tem coragem sequer de pensar. Será que ninguém é

capaz de sentir esta vida e com ela vibrar? Será que não vale a pena ariscar tudo, tudo e

a vida encontrar?

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LÍRICA AMIGA

J B Pereira

Se todos que vivem juntos

Se amassem,

A terra brilharia mais que o sol!

Para isso, se há algo a esperar:

Aceite o outro como é!

Pois não há ninguém que não erre:

Veja que Deus – é único que não falha

No entanto, encarou nossa malha.

Fez-se carente e limitação por nós

A fim de, em Cristo,

Se revelar na contingência humana.

Se a Deus queres ver,

contempla em todo ser

E no próprio coração o encontrarás.

O amor opera em ti e no outro!

Quanto esforço inútil?

Viver por viver?

Não descobrir que somos únicos,

Que a Terra é o que fomos nós.

Perdoa sempre a ti e aos outros...

Essa é a chave da tua vida e amizade.

A flor não fala

E deixa seu perfume,

Naqueles que a tocam

Onde fores lembra-te

Da pessoa amada.

Peça a Deus Nosso Senhor

Que abençoe teu labor

Que firme teu amor

Que dirija teu ardor

Pois Ele ouve as criaturas

Que o bem procuram

Com coragem e branduras.

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POSSÍVEL REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABERTA E INCONCLUSA

Anima . Disponível em: http://www.carl-jung.net/anima.html Acesso em: 20/04/2017.

ARMSTRONG, K. Breve História do Mito. São Paulo, Cia das Letras, 2005.

Astúlio Nunes - "Caminheiro" (1980,Caminheiro). https://www.youtube.com/watch?v=WfM7hkP1Gvc

BOECHAT, W. (org.). Mitos e Arquétipos do Homem Contemporâneo. Petrópolis, Vozes, 1996.

BOECHAT,W. Perseu e Medusa. In: Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. Ed. Vozes, Petropolis,RJ, 1996.

F124 - Freud - Além da Alma. http://www.dailymotion.com/video/x2evtuv_f124-freud-alem-da-alma_webcam

IMITAÇÃO DE CRISTO, Tomás de Kempis. http://www.culturabrasil.org/zip/imitacao.pdf http://www.imitacaodecristo.com.br/

JUNG, C. G. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

JUNG, C. G. Chaves-resumo das obras completas Jung/ Carl Gustav Jung; [coordenação editorial] Carrie Lee Rothgeb, National Clearinghouse for Mental, Health Information; tradução Arlene Ferreira Caetano]. São Paulo: Editora Atheneu, 1998.

JUNG, C. G. A Prática da Psicoterapia. Obras Completas vol. XVI – Petrópolis: Vozes, 2007.

O Mito de Perseu, Por Alexandre Quinta Nova Teixeira, 28/04/2007: http://www.portaldapsique.com.br/Artigos/Mito_de_Perseu.htm

OS MITOS: fontes simbólicas da Psicologia Analítica de C.G. Jung. http://www.jung-rj.com.br/arquivos/fontes_simbolicas.pdf

NÁUFRAGO filme completo dublado. https://www.youtube.com/watch?v=o8moRbYD8ig

PSIQUE OBJETIVA. Medusa, mito e estados depressivos. 27 de fevereiro de 2012, por Felipe Salles Xavier. https://psiqueobjetiva.wordpress.com/2012/02/27/medusa-mito-e-estados-depressivos/. Acesso em: 21/04/2017.

WOOLGER, J.B. e WOOLGER, R. J. A Deusa Interior: Um Guia sobre os Eternos Mitos Femininos que Moldam nossas Vidas. São Paulo: Cultrix, 1987.

J B Pereira
Enviado por J B Pereira em 21/04/2017
Reeditado em 21/04/2017
Código do texto: T5977280
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