Os lagos da modernidade

A história, largamente conhecida, do Narciso, ressurge no mundo contemporâneo. Todos sabem do que a história retrata: um ser, extremamente belo – possuidor duma beleza angelical – que, ao vislumbrar seu reflexo em um lago, apaixona-se pela imagem produzida nas águas; ou seja, por si próprio. O amor pela imagem no lago é tamanha que o Narciso fica, literalmente, “preso no lago.” Esta é uma história interessante e poderosa para ilustrar as pessoas que possuem uma espécie de “egoísmo inato”. Entretanto, neste novo século, a pequena história modificou-se. Agora, o Narciso não se olha no lago; mas, utilizando um neologismo, no “espelho-político-ideológico”. E esse espelho está sendo cada vez mais difundido, infelizmente, na sociedade.

O escritor italiano, Nicolau Maquiável (1469-1527), escreveu: “Muitos possuem olhos; mas poucos têm sagacidade de olhar…”. Seria possível, para fins complementares, introduzir uma nova frase, um pouco diferente desta do filósofo florentino: “Muitos têm olhos; mas poucos conseguem olhar ‘fora-de-si’”. Esta definição se encaixa, acredito, perfeitamente no que tanque à descrição dos novos Narcisos (doravante, “moradores da caverna”). Os moradores da caverna estão tão enfeitiçados que, diferentemente do “Narciso do Lago”, eles querem acabar com aqueles que tentam, de todas as formas possíveis, mostrá-los a verdadeira característica das formas: exteriorizar a realidade. E os métodos que eles utilizam para destruir – esta é a palavra exata – os pensadores livres são diversos. Porém, aqui, cabe menção dois, em especial: a ridicularização e o ataque (físico e verbal). Eles, na maioria das vezes, só possuem esses dois métodos de defesa (o que demonstra o mecanismo robótico de seus cérebros).

O processo de ridicularização e ataque (doravante, “ad ridiculum” e “brutus”, respectivamente) ocorrem por vários motivos. Um deles já foi exposto: incapacidade cognitiva. Mas em relação ao “ad ridiculum” – que, na realidade, é um falso argumento), os Narcisos realizam-no por dois motivos principais: falta de argumentos e medo. O primeiro motivo todos, inevitavelmente, conhecem; mas o segundo, creio, que seja inédito. Por que, medo? Ora, todo processo de ridicularização de outrem – p.ex., o tão utilizado, “Você é um idiota!”–, fala, na realidade, do próprio Narciso que o profere, e não de quem a ofensa se dirige: é um lago semântico; um espelho de significado. Agora, falemos acerca do segundo método: o “Brutus.”

Se acompanharmos – lermos –, o desenvolvimento da história humana – quase sempre de modo caótico, não linear –, veremos que os moradores da caverna, os Narcisos, sempre recorreram à força para difamar os espíritos livres. A título de exemplo, tomemos o caso de Giordano Bruno que, ao explicitar a possibilidade da “dimensionalidade infinita” do Universo, acabou queimado vivo – e depois esquartejado. Atualmente, a história é um pouco diferente. Os moradores da caverna não queimam aqueles que ousam questioná-los (não de modo direto). Porém, como lobos quando se reúnem para caçar e se dirigem à presa silenciosamente, eles vão se aproximando até que agarram e despedaçam , sem piedade, os seres livres. Além desse tido de ataque, há outro um pouco mais “ameno”; muito utilizado: o grito.

Enfim, minhas palavras são escassas para descrever a bárbara situação que o “Admirável Mundo Novo” se encontra. Às vezes, os atos sobrepõem as palavras. Então, não é necessário, creio, escrever mais períodos difíceis de compreender. O necessário é, seguindo o conselho de um velho sábio norte-americano: “Apenas olhar ao redor.” Veja. Perceba as intenções por trás das palavras. Porque, em tempos como esse, cada ato – seja físico ou linguístico – é carregado de “dupla-significação.” E é tarefa dos espíritos livres destrinchar essas ambiguidades e revelar as fraudes e as corrupções deste mundo. Seguindo outro sábio – agora um dos maiores da história: “Vós sois o sal da terra!” Façamos a revolução!

dux Cheshire
Enviado por dux Cheshire em 26/04/2017
Reeditado em 27/04/2017
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