FOME DE VIVER

Chega-me aos olhos o poema, indagativo, prenhe de sugestionalidade. Vem à cabeça a vontade de curtir a peça poética mais fundamente. Vamos lá, ao estudo!

“MONOGRAMA DE AMOR

Elias Borges

Em que clave se lê o pentagrama da dor?

A noite de um adeus tem um aceno que

continuamos medindo com retinas de criança.

Melhor que não tivéssemos ouvidos para essa sinfonia

destinada a ficar insepulta como os versos que dela

se servem. O sonho de amar está no alto da esfinge,

tão ignoto como esses noivos que desmaiam

com os longos discursos monásticos.

– Pelo Facebook, no perfil do autor; lavrado em Campo Grande/MS, em 26/04/2017.”.

Bom poema, poetamigo Elias. Eu, caso fosse o autor, escreveria "retinas de criança", no singular. As diversas retinas da criança para os vários acenos a serem medidos (bonita imagética). E “Poesia é imagem”, segundo o mestre e critico literário mineiro-gaúcho Guilhermino César, falecido em 1993. O conjunto textual em voga é muito rico, poeticamente. Ressalte-se a escorreita linguagem, onde aparecem vocábulos incomuns, mas sem que se note qualquer esforço no sentido de cortejar a palavra com algo que não seja a sua intrínseca boniteza de sentido, clareza e ritmicidade. "O sonho de amar está no alto da esfinge,/ tão ignoto (como) tal esses moços que desmaiam...". Neste último verso, substituí o “como” por “tal”, buscando a aliteração, que consiste na repetição de consoantes como recurso para intensificação do ritmo ou como efeito sonoro significativo. No caso, a consoante é o “T” (tão/tal), e, por dever de ofício, peço licença ao poeta-autor para sugerir essa emenda substitutiva. Também se poderia fazer a substituição do “como” por “feito”, com menor efeito rítmico. É necessário ter muito cuidado com o comparativo "como"... Quem come quem? E se comer o que vai excretar? O "como" é palavra quase proibida em Poesia, porque é o mais feudal dos comparativos, além de insaciável no “comer”... E, se temos a metáfora à disposição, porque utilizar o comparativo, que é meramente gramatical? E muito menos rico em imagética, porque mera comparação entre vocábulos ou situações dadas. Dom Pablo Neruda utilizou o "como" ainda como Neftali Reyes Basoalto, por volta dos 12/13 anos (1916/17), em “Cadernos de Temuco”, o livro da adolescência, cujos originais foram guardados por sua irmã, e publicado após a morte do poeta. Mais tarde, quando se tornou o grande versejador sul-americano, após a publicação do seu “Odas Elementales”, em 1954, praticamente "cortou” o comparativo, porque viu que “Poesia é metáfora, refletida imagética”, e sem elas, não comparece a Poesia (como gênero literário: a voz do Mistério) no texto, apenas versos sem Poesia. Portanto, quem opta pela poesia, escolhe a metáfora, e não o casual comparativo. Belo, belo, poeticamente lindo o teu conjunto de versos. Cresces cada vez mais, na poética. Tanto que me estimulas a fazer a análise em aberto, também porque te sei intelectualmente preparado para a crítica literária sobre as tuas peças de criação. Parabéns pelo destemor ao ofereceres a partilha. Este purê de poesia alimentou a minha histórica fome de beleza e verdades ironicamente feitas de sonhos, farsas e fantasias, como é da Poética. Tudo, curiosamente, para que eu possa viver com o coração em volúpia de resiliências e resignações...

– Do livro OFICINA DO VERSO, vol. 02; 2015/17.

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