AO MERCADOR E SUA DONA (*)

Queridas confreiras-amigas Rozelia, a presidente, e Maritza, a homenageada!

Peço milhões de desculpas, mas não consegui me concentrar para fazer o trabalho (eu o queria realmente fazer) de apreciação sobre a vida e obra de Maritza Maffei da Silva, conterrânea pelotense e colega de turma na vetusta Faculdade de Direito de Pelotas – a nossa santa terrinha – lá no final dos anos sessenta, no século passado.

O que pretendia era louvar o belo trabalho interativo entre o espiritual da advogada, a filósofa e a escritora, assentado em O MERCADOR DE VENEZA, de William Shakespeare, livro que ainda não consegui terminar a leitura. Sabem? Eu sou uma lesma pra ler livros em que predomina a Prosa, o prosaico e seus entornos. O que fazer, sou um vivente aficionado pela Poética...

A saúde dos meus, de Andréa, minha parceira na vida real; vários prosaicos e necessários reparos no apartamento em Porto Alegre (que já duram dois meses), o pó de cimento, móveis e livros em desalinho, acocorados em caixas de papelão, nossos três gatos correndo pra lá e pra cá, como houvesse passado um furação, e a fúria criativa de meus alter egos, que desde o dia 08 de março passado, Dia Internacional da Mulher, até a data presente, 10 de abril, criaram uma média diária de 2,5 textos em prosa e verso. Não me deram trégua estes canastrões que lidam com a fantasia, a farsa e o sonho.

E eu tenho sido o joguete deles, o incompetente que não consegue se livrar destes hóspedes indesejáveis que falam o que o Ego não quer revelar. Pobre de mim depois que Fernando Pessoa, há quase 100 anos, encontrou-se com os seus e até criou o neologismo "heterônimo", e nominou alguns, com biografia e tudo o mais que a vida real exige.

Veem no que dá ser-se apenas um aficionado e não um escritor de verdade, como a homenageada da coletânea ENTREOLHARES - 2017, da Academia Literária “A Palavra do Século 21”, de Cruz Alta, neste Rio Grande de Érico Veríssimo?

Maritza, a criatura de Deus que conseguiu jungir, ajoujar sua bela cultura, bebendo as facetas do humano mercador e, com o sumo de tudo isto, sentido, tido, havido (e lido), trazer ao mundo dos fatos as lições e experimentações do humano ser.

Queria ter o dom da ubiquidade, para poder ser e estar aqui e além, pensar e escrever ao mesmo tempo, mas ainda não consegui tal façanha, mas juro que tenho tentado e pedido ao Absoluto a sua magnificência.

Bem, por ora, o que posso é dizer que escrevo esta carta à guisa de rascunho, como toda e qualquer confidência. O confidencialismo nunca poderá tomar foros públicos e altos, porque nasce do sussurro ao ouvido: aquilo que não se quer dizer, mas a hora exige algo mais que o hausto da respiração.

Bem, e é isto mesmo o que ora me ocorre: dizer que contar com uma confreira de Letras do patamar intelectual de Maritza até inibe a gente de depor para a história da ALPAS 21. Bem, porém a emoção permite dizer aquilo que não passa pela cabeça e, sim, pelo coração.

Nós, os condenados a pensar que desejaríamos ser escritores, podemos dizer – alto e em bom tom – que Maritza Maffei é uma linda expressão do pensamento e da concepção rio-grandense de mulher e musa, e nós a amamos muito. Pronto, falei...

Assim sendo, pedindo escusas pelo caradurismo de tirar o véu das confidências, nós os irmãos confrades da ALPAS, declaramos que a queremos muito nos territórios do Afeto, e acreditamos nela como talento, dedicação e entrega à intelectualidade. Bem, agora quem falou é o mais vadio, o-mais-sem-cerimônia dos meus alter-egos...

Acho até que ele poderia vir a ser acadêmico titular: não faria feio, afinal, é tão mentiroso e farsante quanto o seu hospedeiro: um fingidor consagrado. Afinal, como disse o precursor bem sucedido, heteronomista convicto, nos idos do século XX: Tudo vale a pena quando a alma não é pequena! E não só para os mares portugueses, como em “Mensagem”, 1934, mas que chega até aqui dilargando territórios e plagas brasílicas como verdade inconteste.

E está feita a venera por escrito: Maritza Maffei não necessitará de autopsicografia. Eu, poetinha JM, a heterografo para que não se diga que não cumpri a missão de louvar quem é tão humana e correta como rainha-mãe do Mercador de Veneza, jungido aos valores de seu tempo e alhures.

Que se cumpra a triste sina da imortalidade, que exige do escritor morrer e permanecer vivo na memória de sua tribo, até a palavra se esvanecer.

E, para que conste, Dom Sebastião, o famigerado rei de Portugal, parece estar a ressurgir, vivinho-da- silva, após séculos de silenciosas batalhas, pelos vales e taludes das páginas de fantasiosos livros. Agora, ele-mesmo se lê no canto dos pósteros...

Bem-vinda, Maritza Maffei, ao mausoléu dos que pervivem na entrega ao semelhante, sempre acreditando que é possível sonhar com a abastança ilíquida do futuro!

Porto Alegre, 10 de abril de 2017.

(*) páginas de abertura da Coletânea “ENTREOLHARES”. Cruz Alta: Gaya, 2017, edição da Academia Literária “A Palavra do Século 21 – ALPAS 21, laureando a Prof. Dra. Maritza Maffei da Silva, a homenageada da obra.

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015/17.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/5986594