O PAVIO DELATOR

Tradução da enigmática concepção de não saber o porquê do ser e estar no universo, o Tempo sobre o humano ser a tudo consome. A Palavra se consubstancia segundo a medição da inquietação. Através dela ocorre a denúncia da possível e intraduzível agonia de estar no mundo com o semelhante e a contingência daquilo que está posto em seu entorno. Porém, no contexto verbal, até inocentes e plácidos vocábulos envelhecem e morrem ao compor a lavratura dita boca a fora, cumprindo a essência de sua emissão emocional e intelectiva. Vários destes conseguem obter o seu registro de nascimento por escrito: máxima consciência da capacidade de gestar mudanças, base teórica e factível da condição humana, o tempo ata e desata os nós dos fachos luminosos do entendimento. Dilatam ou minimizam a ilharga do pavio do Verbo. Há textos que contrariam a regra da sempre esperável finitude frente às momentâneas circunstâncias e logram ultrapassar a sua imanente temporalidade. Peças que, por sua verossimilhança para com a contingência histórica, se tornam quase que atemporais, se bem que isto não é plausível, no rigor analítico lucidamente concebido, pois tudo na vida tem início, meio e final. E frente ao decurso dos instantes, sempre fica no ar o questionamento autoral: o que era mesmo que eu queria dizer? Serei plenamente compreendido? Então, como fazer o que é dos domínios da pública forma, sem a delação que a palavra representa? Daí se poder compreender melhor o hermetismo de determinados textos. Teria o poema com Poesia esta destinação: falar e não dizer, apenas sugerir, sem esperar nada em relação aos comportamentos humanos?

– Do livro OFICINA DO VERSO, vol. 02; 2015/17.

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