etimologia da língua portuguesa nº83

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva nº83

Careca tem origem controversa. Pode,ou do ter vindo do latim carescere, carecer ou do quimbundo kaleca, calvo. Gêmeo, por sua vez, veio do latim geminus, duplo, dobrado, nascido do mesmo parto que trouxe o irmão ou os irmãos ao mundo.

Acabar: talvez do latim accapare, radicado em caput, cabeça, pois o fim da vida tem na destruição da cabeça uma das formas mais violentas, incluindo o sentido metafórico de “ cortar a cabeça”. Poeta paulista , porém radicada na cidade do Rio de Janeiro, Neide Arcanjo manipula com muita criatividade o verbo acabar num poema de título francês, Ne Me Quittes Pas: “ Um amor pode acabar / ir-se embora pela vida afora/ ainda que poderoso e belo. / Um amor pode acabar/ acredite,/ sem que os amantes saibam das fraturas,/ pois, parado ele se move / rumo a procuras. / Um amor pode acabar/ entre as pequenas delícias/ esquecidas/ que são os dias/ sempre partidos/ entre belezas e feridas./ Um amor pode acabar,/ perdoe,/ no avesso do começar./ Mas é quando nem vê/ o próprio olhar/ que um amor pode acabar. O verbo acabar é transitivo direto e indireto, e também intransitivo, forma em que o poeta utilizou.

Careca: de origem controversa. Talvez do radical latino presente no verbo carescere, carecer, precisar. É verbo incoativo de carere , sentir falta, precisar de , também presente em carente. Verbo incoativo é aquele que começa em outro, como é o caso. Outras hipóteses vinculam ao quimbundo kaleca, calvo, e ao hebraico qarekha, desprovido de cabelos. O personagem Sansão, como revela a Bíblia, tinha a sua força nos cabelos. Para muitos atletas, em especial os jogadores de futebol, os cabelos não interessam. Alguns dos carecas por escolha estão atualmente entre os melhores do mundo, como os integrantes da seleção brasileira Roberto Carlos e Ronaldo.

Gêmeos: do latim geminus, dupla, dobrado, nascido do mesmo parto que trouxe o irmão ou os irmãos ao mundo. Gêmeos sempre foram raros, trigêmeos e quadrigêmeos mais ainda. Mas, com pesquisas sobre fertilidade humana, os médicos vêm obtendo partos que mais parecem ninhadas. A partir de cinco, vale destacar, a palavra muda radical e os gêmeos são chamados quíntuplos, sêxtuplos, séptuplos, óctuplos. Designa também uma constelação celeste e um signo do zodíaco. Existem inúmeras teorias sobre supostas e ocultas parecenças entre os gêmeos, que vão além das aparências. Uma curiosidade ronda as gêmeas americanas Mary Kate e Ashely Olsen. Elas trabalham juntas desde os três anos de idade no seriado Três É Demais. Acumularam um bom patrimônio e aparecem na lista das 40 pessoas mais ricas do planeta, que têm menos de 40 anos, organizada pela revista Fortune, dos Estados Unidos.

Provérbio: do latim proverbium, pela formação pro, movimento para frente, avanço, progresso, e verbum, que foi como os romanos traduziram o grego logos, tratado, estudo, razão. O provérbio traz uma sabedoria expressa em síntese, às vezes em palavras rimadas ou em cadência que facilitem a memorização. Os provérbios semelham os almanaques. Despertam nossa curiosidade para novos temas. Jamais aprofundam um conceito. Ao contrário, caracterizam-se por uma tal concisão que beira o slogan, o dito publicitário. A humanidade cria e registra provérbios há mais de quatro milênios. O ato de aproveitá-los literariamente é creditado a gregos e hebreus, originalmente. Se amputarmos os provérbios de Homero, a obra desse poeta épico grego sai mutilada, pois nela os provérbios não são adornos, são essenciais à arte de sua narração poética.

Roupa: do baixo latim raupa, butim, despojos tomados do inimigo, vocábulo encontrava assimilado do germânico ocidental rauba. Os invasores bárbaros, em especial os visigodos na Península Ibérica, levavam como despojos de batalha tudo que encontravam nas casas dos vencidos utensílios domésticos e vestes. O primeiro registro de roupa designando vestes e trajes remota ao século XII. Antes da roupa, as vestes eram designadas por outros nomes. A túnica é do primeiro milênio e a camisa, designando ainda apenas roupa de dormir, para ser utilizada na cama., é do século XI. O vestido é do século XIII. A saia, do século XIV, mas foi antes roupa masculina, militar, feita de saguim, tecido grosseiro. O plural de saguim, substantivo neutro, é sagia. Foi daí que veio a palavra saia. Ela designava originalmente manto, túnica e não só saia, roupa que cobre da cintura para baixo. Houve ainda a variante “saio” , casaco militar inspirado em modelo utilizado pelos gauleses. A roupa de baixo desdobrou suas designações cueca ou cuecas, no plural, em Portugal, designa roupa íntima de homens e mulheres. No Brasil, no entanto, a designação vale somente para o vestuário masculino; para as mulheres, é calcinha ou calcinhas. A palavra que deu origem a cueca ou cuecas tornou-se chula com o passar do tempo. Tanto que nas designações científicas o termo usado é ânus. É esse também o caso de anel, do latim anellus, diminutivo de ânus. Tais associações, porém, não são feitas pelos falantes.

O escritor Deonísio da Silva é doutor em Letras pela do Universidade de São Paulo, diretor do Instituto da Palavra, da Universidade Estácio de Sá (RJ), autor de A Vida Íntima das Frases (Ed. A Girafa) e Os Guerreiros do Campo (Mandarim), entre outros 28 livros. E- mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2004

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 19/06/2017
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