Etimologia da Língua Portuguesa nº84

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº84

América a quarta parte do mundo a ser descoberta, em 12 de outubro de 1492, teve origem no nome do navegador italiano Amerigo Vespucci,. Descoberta, aliás, é feminino de descoberto, substantivo e particípio de descobrir, formado do latim cooperire.

América: do nome do navegador italiano Amerigo Vespucci (1454-1512), homenageado na denominação do continente descoberto pelo genovês Cristóvão Colombo (1451-1506). Após percorrer casas monárquicas de vários países europeus em busca financiamento para seu projeto, obteve apoio da Espanha. Em carta de 1502, anunciou as terras recém-descobertas como Novo Mundo, escrevendo em latim: Mundus Novus. Foram o cosmógrafo Martim Waldseemúller (1475-1522) e o filólogo Mathias Ringmann (1472-1522) os primeiros a documentar o nome da nova terra como América. Ringmann tentou mudar a denominação para Terra Nova, que aparece em vários mapas, quando já estava consolidado o batismo. Américo é masculino, mas os geógrafos escreviam em latim, e nos documentos América aparecia no acusativo, Americam, por ser objeto direto, que influenciou a denominação, sem contar que era frequente a elipse de terra, feminino também em latim. A América era referida como “Americi terram (terra de Américo) . Europa ,África e Ásia, femininos, influenciaram a denominação.

Crendice: de cred, radical do verbo latino credere, acreditarice, crer, acrescido do sufixo ice. Crendice semelha superstição. Nos albores da língua portuguesa, crença foi pronunciado “credença” e depois “creençem ”, até consolidar-se em crença, de que crendice é variante pejorativa. Crendice célebre da cultura lusitana, marcada por influências católicas, é a expressão “obra de Santa Engráscia”. É empregado para indicar trabalho interminável e dificultoso. O dito apoia-se em lenda cristã que explica o motivo de a Igreja de Santa Engráscia , em Lisboa , ter sido concluída. Iniciada em 1682, parecia que a sinistra profecia da inconclusão tinha logrado êxito; mas em 1966 ela foi, enfim terminada e hoje é o monumento nacional. Um cristão-novo, como era denominado o judeu convertido à fé católica, chamado Simão Pires Solis, apesar de torturado, não revelou seus amores com uma freira do Convento de Santa Clara. Foi queimado vivo. A caminho do suplício, profetizou em versos: É tão certo que sem crime ,/esta morte vou sofrer,/ como é certo que não minto,/ no que ora vou dizer:/ nunca se darão por feitas/ por mais somas empregadas,/ as obras de Santa Engrácia/ que aqui vedes começadas.” Depois se comprovou sua inocência, mas ele já fora executado e nenhuma reparação pôde ser feita. A igreja, inconclusa por 284 anos, tornou-se símbolo de trabalho amaldiçoado e infindável.

Descoberta: feminino de descoberto, substantivo e particípio de descobrir, formado do latim cooperire, cobrir, proteger, cuja negação foi feita com o prefixo “des”. Para nós a descoberta guarda nas origens um mistério. Se Cristóvão Colombo descobriu a América, que inclui o Brasil, como não lhe é creditado o descobrimento do nosso país? Em abril de 1492 , o navegante firmou com orei espanhol Fernando II (1452-1516), de Aragão, que ao casar-se com Isabel (1451-1504), de Castela, unificara a Espanha e expulsara os mouros, o contrato Capitulações de Santa Fé, que fixavam as seguintes condições: o genovês receberia os títulos vitalícios e hereditários de almirante, vice-rei e governador-geral de todas as terras e ilhas que ele e outros, a seu mando, descobrissem; faria jus ao dízimo sobre as riquezas encontradas nas novas terras e teria participação nos lucros dos produtos importados; reconhecimento da soberania espanhola e drenagem de impostos para a coroa nas terras descobertas. Colombo partiu do porto da aldeia de Palos, no sudeste da Espanha, em agosto de 1492. Seu destino era Catai, na china, e Cipango, nome que o viajante veneziano Marco Polo (1254-1324) dera ao Japão. Ao chegar às Bahamas, pensou ter aportado no Japão. Antes de retornar à Europa, descobriu Cuba e Haiti. As descobertas de Colombo, graças ao Tratado de Tordesilhas, que definiu a posse do Brasil a Portugal, foi obra do papa Alexandre VI (1431-1503), ironicamente de nacionalidade espanhola, nascido Rodrigo Borja, sobrenome que depois foi italianizado para Bórgia.

Tensão: do latim tencione, declinação de tensio, tensão. Sem o “n”, dito tesão e assim escrito, designa também o desejo sexual. Mas tal variação começou a ocorrer só no século XIX, embora designasse desde o século XVI, qualidade do que está esticado, duro, tenso. Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809) usa tesão como sinônimo de tensão nos seguintes versos: “Meu bom Critilo/ não se isenta o Cristo deste imposto/ foi um grande tesão, mas necessário,/por não se abrir a porta a maus exemplos.” A palavra tensão aparece também na sigla TPM, síndrome de tensão pré-menstrual, identificada em 1948 pela médica inglesa Katharina Dalton (1917-2004). Ela tinha muita dor de cabeça, que sumia na gravidez. Pesquisou o fenômeno e concluiu que a tensão provinha da escassez do hormônio progesterona, que diminui na menstruação e aumenta na gravidez.

O escritor Deonísio da Silva é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, diretor do Instituto da Palavra, da Universidade Estácio de Sá (RJ), autor de A Vida Íntima das Frases (Ed. A Girafa) e Os Guerreiros do Campo (Mandarim), entre outros 28 livros. E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2004

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 24/06/2017
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