Quero a minha ignorância de volta! 

"Caminhas entre mortos e com eles conversas
Sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear".

                                                                   
                                                                                     (Drummond - Elegia 1938)


Sim, cheguei a um ponto da minha vida em que quero a minha ignorância de volta!

Não posso mais conviver com as ideias daqueles que roubaram de mim a inocência de uma vida após essa vida, de uma lei justa e Universal de "Dar e Receber", de propósitos maiores que recompensem as mazelas que vivemos num mundo cada dia mais estranho...

Sim, quero minha ignorância de volta! Quero acreditar em "Algo Além", quero justificar minhas dores e dissabores através dos pecados cometidos, dos erros e dos perdões não pedidos, da Carta aos Efésios e das mentiras que contei...

Quero voltar a entender porque num mundo tão lindo, a desigualdade impera e entorpece a consciência de forma coletiva, o que, numa interpretação burlesca, remete-nos à fantasia de um Universo pensado, projetado e colocado de forma mágica dentro de cada um de nós, humanos, ápices do ato Criador...

Vou queimar meus livros!

Não quero mais me contaminar com Sartre, com Simone de Beauvoir, com Bauman... Não quero mais saber o que Pinker tem a dizer sobre a Negação Contemporânea da Natureza Humana... Não quero ouvir mais nada sobre Platão e o Mito da Caverna. Não quero Nietzsche ecoando em minha mente a "Morte de Deus!"... Não quero Dawkins me contando que "Deus é um Delírio!" e nem Foucault revelando-me a História da Loucura, Vigiando em Punindo-me com sua cruel realidade sobre a sociedade moderna.

Ah, peço encarecidamente ao Universo: Devolva a minha ignorância... Quero olhar para o Sal de Cozinha sem ver Cloreto de Sódio... Quero plantar rosas sem me preocupar com o pH do solo... Quero sentar-me num banco ao final da tarde e ver o Sol se esconder no horizonte, sem imaginar o movimento da Terra, que nos dá a falsa sensação de um tempo fluído e medido pelos ponteiros de um relógio, jamais como quarta dimensão da matéria...

Caio exausto e, desesperado, reconheço: Meus livros me tiraram as vendas... Minha leitura destruiu minhas crenças, minha loucura inocente foi substituída pela dissidência, a mesma que levou Thoreau às margens do Lago Walden por 2 anos, 2 meses e 2 dias, podendo resistir à força com maior ou menor intensidade, mas preferindo partir, por ser ela, a sociedade, a parte desesperada.

Ah, por tudo o que possa existir de mais transcendente no Universo, eu peço: Devolva-me a ignorância roubada em cada leitura, em cada reflexão, em cada olhar mais atento para um mundo louco e sem limites.

Aproximam-se as sombras, fecho meus olhos e vislumbro as imagens quase oníricas de um mundo são. E encerro com Drummond, assim como iniciei...

"Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis Palmeiras".

...

"Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan". 
                                                                        
                                                                                          (Drummond - Elegia 1938)