Das Testemunhas de Jeová

Recebi uma daquelas revistinhas “A Sentinela”, das Testemunhas de Jeová. Mal imaginam eles que eu li mesmo. Sou um incorrigível curioso por tudo o que se refere às grandes questões da humanidade. Se as Testemunhas de Jeová tiverem algumas respostas que preciso, não hesitarei em acolhê-las. Li também para entender um pouco melhor o que eles pensam, coisa que, me parece, pouca gente chega a fazer. E também porque a matéria da capa era tema da minha especial predileção, ou seja, a vida após a morte.

Bem, se eu entendi direito, as Testemunhas de Jeová não acreditam que exista uma alma imortal. Não é exato, para eles, sequer que as pessoas “tenham” uma alma, pois ser vivo já seria igual a “ser” uma alma. Nessa lógica não haveria mundo espiritual, pelo menos não um que fosse habitado pelos mortos. Para os seres humanos, tudo se restringiria à vida corporal. Os mortos estariam todos dormindo, de modo que. não haveria consciência alguma após a morte. Esse curioso materialismo só ganha ares de religião pelo que se acredita que acontece no dia do Juízo Final, ou seja, que Deus vai restaurar os corpos daqueles que o seguiram em vida.

Mas, afinal, por que, ao contrário da maioria das religiões, as Testemunhas de Jeová não acreditam em uma alma imortal? Pareceu-me que a razão se encontra lá no relato de Gênesis. No princípio, a vida era eterna. Adão viveria por toda a eternidade como corpo físico mesmo, desde que não tivesse cometido o pecado inaugural. A partir daquele pecado, a morte entrou no mundo, como forma de punição. Ou seja, o corpo físico começou a morrer. Testemunhas de Jeová acreditam que seria uma grande contradição, depois desse evento cataclísmico, que alguma parte dos mortos ainda continuasse a viver de alguma maneira. E Deus, naturalmente, não pode se contradizer. Para sair desse dilema é que a noção de uma vida sem alma, muito menos imortal, tomou vulto. Apenas depois dessa reflexão é que os argumentos internos à própria Bíblia devem ter sido trazidos à baila para fortalecer a tese. Foi isso, pois, o que deu para entender daquilo que eu li.

A matéria cita muitos versículos para respaldar a teoria, mas eu senti falta de que eles se defendessem da frase de Jesus referente a encontrar o bom ladrão naquele mesmo dia no paraíso. Não se entrou na questão do inferno na matéria, que não existe na doutrina das Testemunhas de Jeová – o pior castigo é a morte – mas eu gostaria de ver como se saem diante das palavras de Jesus, pois ninguém falou mais no inferno na Bíblia do que Jesus. A menos que se trate de escolher esse ou aquele versículo para fazer com que o relato do pecado original permaneça em pé.

É também bastante interessante a crença de que a vida eterna se dará a partir da ressurreição da nossa carne, que há muito tempo já terá se transformado em puro pó. Fico imaginando que tipo de magia será necessário para restituí-lo à forma primitiva ou, ao menos, a algo que se assemelhe a um corpo. É claro que isso não deve parecer tão difícil assim para quem já acredita que o corpo do primeiro homem tenha surgido da mesma maneira, já pronto e evoluído.

Ah, é uma pena que a matéria não fale das EQM, como eu queria ver o relato de uma Testemunha de Jeová que passou por uma EQM. Mas imagino que, caso uma delas passasse por essa experiência, não gostaria de confessá-la, e não se sairia dela de outro modo que não fosse o de atribuir tudo à influência maligna. Há, em verdade, uma enormidade de eventos e fenômenos que se obriga a atribuir ao diabo para salvaguardar unicamente o relato do pecado original.

Diz a matéria também que a Bíblia é “exata em assuntos de ciência”. Aparentemente, isso exclui Darwin. Quanto ao Big Bang, parecem um pouco mais abertos a considerá-lo. E, definitivamente, não acreditam em uma terra plana, mas em um círculo que está suspenso no espaço. Já é um alento nesses dias de hoje.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 13/07/2017
Reeditado em 13/07/2017
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