A data limite de Chico Xavier

Dizia o Chico Xavier que em 1969, quando a humanidade chegou à lua, houve uma conferência entre os representantes dos demais mundos do Sistema Solar para decidir o que fazer com a gente. Que a gente se matasse e se destruísse na própria Terra era uma coisa, mas ameaçar o equilíbrio do Sistema Solar, aí também não!

Como resultado da reunião, que teria sido presidida pelo próprio Jesus, decidiu-se que eles, os alienígenas, dariam um prazo de 50 anos para ver se humanidade se emendava. Durante esse tempo não poderíamos fazer mais nenhuma guerra mundial, do contrário aconteceriam eventos catastróficos para a Terra, dos quais o maior seria o hemisfério norte se tornar completamente inabitável.

Se, por outro lado, passássemos a cultivar bons sentimentos, teríamos direito, ao final dos 50 anos, a um “upgrade” em nossa vidinha terrena. Os alienígenas estariam então autorizados a entrar em contato conosco e passar dicas fabulosas para resolver os nossos problemas cotidianos. Teria início uma nova fase no planeta, tão transformadora como a do início da vida. E tudo isso seria decidido em julho de 2019.

Bem, assim dizia o Chico Xavier. Eu, cá comigo, tenho algumas indagações. Para quem não compartilha da doutrina espírita, é um bocado estranha a ideia, presente desde Kardec, que todas as esferas orbitando em qualquer parte do cosmos só se justificam se nelas houver alguma espécie de vida. Para essa visão, seria desperdício que Deus criasse alguma esfera sem vida, e vida inteligente. Nos tempos de Kardec, ainda eram poucos os planetas, ainda não eram conhecidos os exoplanetas, que tornaram extremamente banal a existência de outros mundos, a ponto de haver mais planetas no Universo que grãos de areia na Terra.

Acredita-se, mesmo assim, que todo grão de areia tem o propósito de abrigar vida inteligente. Como o Sistema Solar têm, modéstia à parte, uma série de planetas e uma infinidade de luas, acredita-se que todos eles estão habitados, e mais, por pessoas mais inteligentes do que nós. O que não deixa de ser interessante, já que esses mundos não tiveram muito mais tempo para se desenvolver do que nós mesmos. Talvez seja com base nessa evolução tão rápida em seus próprios planetas que eles me aparecem com uma proposta tão inusitada como essa de que, em 50 anos, a humanidade poderia se regenerar.

Bolas, o que significam 50 anos em uma escala universal? É um período de tempo tão pífio, sobretudo para alguém que conheça o histórico da humanidade, que só alguém que não fizesse a menor ideia de quem somos poderia propô-lo. Que os saturnianos, os uranianos, os plutônicos (Plutão já foi planeta) não saibam que nem em 50 e nem em 100 anos a humanidade fará uma revolução moral, é coisa que se compreende e se pode aceitar. Mas Jesus, Jesus que viveu entre nós, que experimentou o nosso pior lado, que é, na pior das hipóteses, um espírito absurdamente iluminado, como é que ele chegou a levar a sério esse prazo de 50 anos?

Não tivemos, de fato, nenhum grande holocausto nesse período, nossas mortes foram melhor distribuídas e não se concentraram em uma única grande guerra, mas estaríamos nós, por isso, melhores do que há 48 anos atrás? Ou apenas arquitetamos formas mais eficazes e silenciosas de praticar a maldade?

Também é curioso que, para Chico Xavier, o conceito de nação ainda pareça tão importante (o Brasil, para ele, tem sempre um papel importante a representar, porque, claro, é onde estão os espíritas como ele). Para ele, a paz que deve ser buscada como elevação moral do ser humano será conseguida até mesmo por meio dos Estados, ou seja, da violência oficial e institucionalizada.

O Estado, qualquer Estado, afinal, é algo que nasce e se mantém pela força, pela repressão e pela violência, direta ou indireta. Que Jesus achasse que em 50 anos essas instituições de violência se transformassem em veículos de propagação do amor é coisa que muito espanta. Não espanta é que o Chico Xavier acreditasse em uma paz vinda por meio dos governos, pois é já célebre o vídeo de 1971 em que ele mostra a adesão dos espíritos ao regime militar. Será que é essa paz, a paz de uma ditadura, que Jesus e os aliens querem de nós, como sinal de nossa elevação moral?

Nada sei, mas é possível que o Chico tenha sido feliz ao falar em 50 anos, e não 50 mil, como seria mais lógico. Afinal, é um tempo em que as pessoas não perdem de vista o horizonte, é um tempo que as pessoas ainda querem viver, e por isso, diante de tamanha ameaça, talvez elas até façam alguma coisa para melhorar. As pessoas estão sempre precisando de ameaças de fim do mundo para fazer aquilo que elas mesmas já consideram correto. Mas uma fé que depende de ameaças é bem frágil.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 27/07/2017
Reeditado em 27/07/2017
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