Era uma noite agradável de maio de 1975, a casa de Mané Flor encontrava-se toda enfeitada com fitas coloridas e bandeirolas multicores. Os bancos de madeira, compridos, comportavam muitas pessoas de uma só vez. As lamparinas munidas a querosene iluminavam o teieiro e todo o terreiro. A sala iluminada por apenas um lampião, estava repleta de lindas “flores”, cada uma mais esbelta de que a outra, todas em busca de seu “cravo”. Em outro banco comprido se encontravam os casais de namorados, devidamente “separados” dos entrelaces entre si, mantendo certa distancia de meio metro um do outro, mas quando os olhares dos pais ou familiares buscavam outra direção, os enamorados se abraçavam rapidamente.

          Assim que chegaram ao local do leilão, o jovem Carlinhos já haviam tomado nota de tudo isso com apenas uma olhadela rápida. Eis que buscava encontrar a bela morena da feira. Dona Maria não largava mão de seu José Francisco e dizia: “Pode ser véi, mais é meu, num largo de jeito ninhum”, com a outra mão agarrava a da filha Demi. Eis que teve inicio o leilão. O pregoeiro começou todo animado, oferecendo de entrada um litro de cachaça acompanhado de um prato com galinha de capoeira assada na brasa. De repente surgi o primeiro grito: “Dou cem cruzeiros pro mode ninguém ter direito nem de sintir o chêro”. Outro grito estrugia logo em seguida, respondendo ao desafio: “Entonse eu dou duzentos cruzeiros pra você nem ver a galinha, e ainda ficar de goela seca”. Era tal de dou-lhe uma, e dou-lhe duas, e dou-lhe três, vendido, que não acabava mais.

Doma Maria de Dermi, distraída pelo animado pregoeiro, não percebeu a chegada da bela jovem de cor morena que encantara ao Carlinhos. Só veio a se aperceber da presença dela no local quando, sem querer, e de soslaio olhou para o jovem amigo e viu os seus olhos brilhando feito estrela. Olhando agora para a mesma direção, constatou que era ela mesma, a Maria Aparecida filha adotiva da comadre Bisanta.

– Vixe como a Maria ficou formosa, tá é linda de morrer. – Comentou, meio que surpresa com a beldade a poucos passos a sua frente.

A jovem morena percebeu os olhares, correspondendo-os com gestos harmoniosos e olhares direcionados ao jovem do sertão. Carlos não pertencia a nenhum padrão de beleza, não fazia o tipo bonitão, mas tinha os seus encantos. Não era belo nem de tudo feio. Um bom moço de nobre caráter, bem comportado, trabalhador e honesto, dentre outros atributos. Nunca fora afoito nem tímido demais, cauteloso talvez. As horas estavam se passando como as águas passam num rio, a morena deixava transparecer que, se acaso ele a convidasse para dançar, ela aceitaria. Mas Carlinhos não conseguia dar o primeiro passo. Então Dona Maria tomou a iniciativa, iria dar um empurrãozinho, e o fez.

--- Maria, Maria!
A jovem ao perceber que a comadre de sua mãe a chamava foi em sua direção. 
--- Noite Dona Maria, noite seu José, noite Demi, noite seu moço. --- Cumprimentou a todos de uma só vez, com um lindo e agradável sorriso no rosto.
--- Noite minha filha. Como vai a comadre Bisanta? Quêde ela qui num tô vendo?
Dona Maria de Dermi respondeu ao cumprimento, ao mesmo tempo em que tentava puxar conversa com a jovem.
--- Ela tá meio adoentada, não pôde vim. Eu vim foi com Padim Denisio. Respondeu gentilmente a bela morena.
Num canto próximo, ao lado do velho amigo José Francisco, Carlinhos atentava a tudo, ficando cada vez mais admirado com aquela moça em forma de deusa. Quase morreu de susto quando a sua amiga Demi perguntou se ele não queria dançar. Sentiu o chão embaixo dos seus pés se locomover e ser arrastado de uma só vez.
--- Pode ir dançar com a Demi, Carlinhos. --- Autorizou passivamente Dona Maria. Ela parecia saber o real motivo daquele inusitado convite.

Sem palavras para dizer qualquer coisa que fosse se deixou arrastar para o terreiro pela também linda e jovem morena, apenas não era a “morena” que desejava tê-la nos braços, e agarrar-la pela sua cintura. Mal teve inicio o primeiro toque da zabumba, seguida do triango e da poderosa sanfona começaram a dançar. A música não havia terminado quando surgiu à beldade morena que atendia pelo nome de santa, era ela, Maria Aparecida, a quão sonhada prenda que estava logo ali do lado.

--- Maria vem cá! Termina essa dança com o meu amigo Carlinhos, pro mode qui eu machuquei o pé. --- Disse Demi se dirigindo para a sua amiga Maria, como já haviam previamente combinadas, e com antecedência, pura malicia feminina.

Sabe se lá como o nosso jovem do sertão se sentiu naquele momento, fôra com certeza, uma mescla de avassaladora alegria por ter a moça dos seus sonhos agora em seus braços, com a surpresa dos últimos acontecimentos, e meio que “abobalhado” ficou a pensar; “Será que pisei feio no pé de Demi?”.  Esse pensamento logo foi afastado pela agradável fragrância do perfume de Maria. Ele levou sua dama com maestria de um verdadeiro dançarino, tamanha era o seu contentamento em ter aquela beldade esculpida pelos deuses, em seus vigorosos braços de homem trabalhador. Se por acaso, naquele exato momento alguém lhe tocasse, nada sentiria, estava enredado nos laços da paixão, completamente envolto pelo transe hipnótico do amor.

A primeira dança terminou, e logo emendaram numa outra, e mais outra, e mais outra, e quando ofegantes optaram em parar para retomarem o fôlego, ambos estavam suados e gotejando suor de paixão. Nisso se afastaram do terreiro, mas sem largarem as mãos, foi devido ao tropicão que Carlos levou impulsionando seu corpo ao corpo de Maria que surgiu o primeiro beijo. Naquele momento encantado, no qual as almas se encontram, nascia o primeiro amor no jardim destro do peito daquele valoroso sertanejo, e pela primeira vez ele estava amando.

 
Marcos Antônio Lima
Enviado por Marcos Antônio Lima em 12/09/2017
Reeditado em 12/09/2017
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