CULTURA TELEVISIVA E CULTURA DIGITAL

Para nós, a cultura televisiva é aquela dinamicamente formada por conteúdos e imagens que são transmitidas a um telespectador passivo que pode moldar seu gosto pelo que vê ou pode criar pressão por novos conteúdos. Cada país e continente têm seu público televisivo. As grades de programas são escolhidas por uma gerência de acordo com um suposto gosto. Engana-se o telespectador que pensa que ele não lê com a TV. Lê pois tudo nela é roteiro escrito previamente. A TV substitui a leitura como forma de imaginação, mas a TV lê para o receptor sim.

Marshall Mcluhan, estudioso da comunicação de massas, é feliz ao definir a tecnologia como prótese. O entretenimento de massas é uma prótese psíquica da imaginação, do pensamento e de várias faculdades mentais - todas ampliadas na tela de TV. A TV é uma prótese onírica.

Já cultura digital é aquela que os comandos dos dedos dão ao espectador a capacidade de escolher entre vários conteúdos, às vezes simultaneamente (sobrepostos em janelas), colocando um "problema-costume" na TV: o fim da passividade do receptor.

Marca também o fim das amostragens de opinião pública para ver a aceitação da grade programas. Os "likes" determinam isso agora.

Foi inegável a função da televisão como representação da consciência coletiva - especialmente puritanista nos EUA e da classe média também em vários países com capitalismo mais avançado ou em vias de avanço.

A televisão já foi a grande autoridade moral no pós-guerra, sendo capaz de espalhar apreensão de uma guerra atômica ou mentir experimentalmente sobre a invasão de ET's - colocando pessoas em pânico.

Porém, a televisão está entrincheirada a cada dia mais pela ação dos movimentos sociais, que procuram influenciar a opinião pública digitalmente, nas redes sociais. Os Movimentos Sociais de direitos de minorias tomaram o discurso da TV, especialmente por boa parte, hoje, dos seus operadores terem passado por faculdades de comunicação e estudado Sociologia.

Nos anos 50, 60, 70, 80 e 90 foram sendo modificados os conteúdos televisivos, em busca da audiência, que passaram do conservadorismo pequeno burguês ao liberalismo quase que completo das gerações "pós-Woodstock", entre as décadas citadas. Mas ainda não havia um crescimento do conhecimento acadêmico em comunicação de massas nas universidades.

Nos anos 50 foram os programas de auditório ao vivo, com bandas e cantores, sendo que os aparelhos televisores eram de acesso da elite econômica.

Nos anos 60 começam os enlatados, as séries e os filmes na televisão, juntamente com as novelas.

Nos anos 70 os programas jornalísticos ganham cada vez mais espaço e estilos que vão do telejornal diário aos programas de entrevistas.

Nos anos 80 a programação infanto-juvenil vai sendo consolidada e os videoclipes ganham projeção maior - já tendo a tv preços mais populares e alcançado as classes populares.

Nos anos 90 os programas de humor, os programas esportivos e os filmes alçam ainda mais na programação.

Os movimentos sociais já existiam neste hiato. Nos anos 70, 80, 90 não tinham as redes sociais como seus megafones, mas hoje têm, e estão adentrando na televisão. O ativista gay de hoje substituiu o líder sindical de ontem - principalmente na televisão brasileira.

Sob o argumento da pós-modernidade, encontraram na universidade o elemento de construção do seu discurso social. Jornalistas de hoje fizeram faculdade neste momento e foram deveras influenciados por Foucault. Percebe-se isso na obsessão dos programas de entretenimento em se alinharem com este discurso pós-moderno, como o programa da Fátima Bernardes, Estúdio I da Globo News (a Rede Globo, em especial - já que o Grupo Record pertence a uma igreja neopentecostal - pois os evangélicos já passam de 50 milhões de pessoas no país).

A consciência coletiva nas sociedades das massas informes é extremamente difícil de ser captada - pois são sociedades que não conseguem facilmente hegemonia e consenso. Isso ocorre diante do fenômeno do individualismo, no qual, pelo aumento da densidade populacional e de trocas comunicacionais cotidianas, os indivíduos adotam formas mais e mais diversificadas de representarem a si mesmos. Daí o fato dos pauteiros de programas e de jornais viverem na rede mundial, lendo tudo: procurando o exótico como procuravam os antropólogos da primeira metade do século XX.

Dessa maneira, a cultura digital é a voz do indivíduo atomizado, que não encontrava canal de expressão dentro dos grandes monopólios televisivos. Mas este indivíduo está representado por quem: pelo Silas Malafaia? Jean Willes? Por Bolsonaro? Quem? Quem ele é? A coisa está tão dialética, que já há igrejas pentecostais gays para aplacarem tamanha dicotomia, caminhando para mais e mais diversidade: um infinito de diversidade e de paradoxos.

Quanto maior o número de habitantes avolumados num mesmo ponto do território, maior a tomada de consciência da individualidade. Território que a cada dia mais é território virtual, formado por redes de cabos de fibras óticas, com maior dificuldade de ser criada uma autoridade moral que os represente. Daí o sociólogo francês Émile Durkheim citar a anomia como maior fenômeno das massas, no século XX.

Aliás, nunca as identidades foram tão fluídas, ao ponto das pessoas virarem camaleões e canibais ávidos por novas formas de expressarem suas contradições. Tem público até para briga de casais em "home pages", na cultura digital de "espetacularização" do cotidiano e do escatológico.

Não há mais uma autoridade moral que dite aos indivíduos atomizados o que eles são: deem a eles uma identidade, cada dia mais líquida e fragmentada. Quem sacou isso foram os pastores midiáticos. Mas não há um médium midiático e nem um pai de santo midiático, o que é uma coisa que já deveria ter a muito tempo, dada a tendência a diversidade.

Porém, resta a televisão nesta avalanche de vozes antes caladas e hoje com discurso preparado por sociólogos em mestrados e doutorados, ser uma documentadora dos costumes e uma antena ligada às transformações morais da sociedade. A televisão é uma grande "canibalizadora" social, comedora de conteúdos do cotidiano, que já está começando a ficar chato, diante de tantas identidades fluídas.

Chegará um ponto, que o diferente será banal. Logo, faltará conteúdo.

Ai que vem o perigo: os canais de "wattszap", os aplicativos, as "home pages", começando a transmitir torturas "on line", suicídios, acidentes de carros com vítimas - fazendo o público não mais dar atenção à televisão.

O jornalismo televisivo ficará a função da fé pública da notícia.

Voltará assim a função da televisão como autoridade moral, uma televisão que será feita por sociólogos, antropólogos e psicanalistas, como era o sonho de uma elite diretiva por parte do positivismo de Auguste Comte.

Deixar este vácuo é pedir que o protestantismo-fundamentalista-neopetecostalista tome este lugar e comece a comprar os conglomerados televisivos que serão sucateados por não conseguirem acompanhar a cultura digitalizada.

O bolsonarismo é um destes elementos de formação de contra-hegemonia.

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 14/09/2017
Reeditado em 11/04/2020
Código do texto: T6114447
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