A cura que não veio

E Deus não curou o Marcelo Rezende. Era coisa bonita de se ver a fé do apresentador nos vídeos que fazia, sempre proclamando que a cura viria, a despeito de toda a fraqueza que a doença lhe provocava, e de ser o seu câncer um dos mais agressivos e rapidamente letais. Acreditava que a cura viria, não podia admitir que, como resultado da sua fé, não saísse curado da sua doença. Aparentemente, não era em um mundo vindouro que imaginava a sua recuperação, mas neste mundo de matéria mesmo, isto é, a cura não significava que ele ficaria bem “do lado de lá”, mas que ele não morreria dessa doença tão grave.

E Deus não curou o Marcelo Rezende. Se há Deus, somos obrigados a admitir que com muita frequência ele não cura. Mais, que ele não cura inclusive pessoas que parecem manter um relacionamento íntimo com ele. Isso, evidentemente, não precisa significar “maldade” da parte de Deus. Talvez apenas tivesse um propósito diferente para cada uma dessas pessoas que, a despeito de pedidos e orações, não foram curadas. É exatamente esse o pensamento consolador que costuma vir à tona quando enfrentamos uma decepção por conta de uma cura que não veio: Deus tinha outro propósito para ele.

O interessante é que, geralmente, só atentamos para os “insondáveis desígnios” de Deus depois que o pior acontece. Antes disso, pressupomos que ele deseje a cura, como é que Deus pode não desejar a cura de alguém? Talvez não sejam muitos os que conseguem dizer “seja feita a vossa vontade, ainda que seja a minha morte”.

Ao assistir programas de televisão como os da Igreja Mundial, a impressão é que Deus tem a “obrigação” de curar as pessoas. Se o doente for até lá, demonstrar a sua fé, cumprir certos ritos, Deus terá que curá-lo. Nem sempre isso acontece, eventualmente há alguns constrangimentos quando o pastor tenta curar uma pessoa e não consegue – o pastor não admite, nunca, que a cura não foi possível, e até proclama que ela aconteceu sim, por mais evidências que se tenha em contrário.

Às vezes, quando a cura não vem, usa-se como desculpa a “falta de fé” do próprio doente – é uma maneira de livrar a barra de Deus, afinal. Porque há casos, como o de Marcelo Rezende, em que parece ter havido muita fé, tamanha fé que até se decidiu abrir mão do tratamento tradicional. E, no entanto, o pior sobreveio.

“Pior” é maneira de dizer, tendemos a ver a morte como a pior coisa que pode nos acontecer e, o que é mais curioso, não a admitimos mesmo que acreditemos na vida eterna e no paraíso. Havendo Deus ou não havendo nada, Marcelo está curado.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 17/09/2017
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