Não queria me alistar

Eu era criança, acreditava em Jesus e não queria a guerra. Na verdade, parecia-me perfeitamente lógico e natural que os cristãos não quisessem a guerra. E mais, que não quisessem tomar parte em nenhum tipo de violência.

Foi, portanto, com grande espanto que reagi à informação de que, assim que fizesse 18 anos, eu deveria me alistar no exército. Eu não queria, sabia que aquilo significava violência, mesmo que não tivesse guerra nenhuma, pois eu ainda teria que lidar com armas.

Nunca me imaginei empunhando uma arma, não queria fazer mal a ninguém, não queria nem mesmo me defender do mal que fizessem a mim. Temia fazer 18 anos e ser obrigado a fazer parte daquilo que ia contra a minha natureza e contra a minha consciência.

Revoltei-me contra a obrigatoriedade do alistamento e espantei-me que as pessoas ao redor parecessem não ver nenhum conflito entre o exército e os ensinamentos de Jesus. Intuía que a noção de patriotismo por trás daquilo tudo era um bocado hipócrita. Não tinha nenhum plano em mente, só sabia que eu não iria servir ao exército.

Bem, fiz 18 anos e tive que ir atrás dessa questão. Por sorte, na época eu já vivia em uma cidade em que ninguém era chamado para servir, de maneira que eu pude ser dispensado sem maiores traumas.

Isto é, tive que passar por uma cerimônia de dispensa, junto com outros jovens. Lá fomos tratados como soldados e tivemos que fazer uma série de juramentos. Na época não me ocorreu a recomendação de Jesus para que não jurássemos em hipótese alguma, senão eu teria também me recusado a jurar sobre o que quer que fosse.

Mas se uma sociedade cristã é capaz de enviar seus filhos para serem treinados nos saberes da força e da morte, sem ver nisso qualquer conflito com o Evangelho, não é demais que também os obrigue a prestar juramentos. Jurei, então, jurei como todos os outros, pela pátria, pela bandeira, por uma infinidade de abstrações.

E então voltei para casa, pelo menos ainda iria continuar virgem de armas. O tempo passou, cresci e, apesar de continuar não indo com a cara do exército, passei a pelo menos admitir que ele existisse.

Até topar com os primeiros textos a respeito da não-resistência ao mal por meio da violência. Meu coração se regozijou e eu me senti representado pela defesa de Tolstoi da incompatibilidade do Evangelho com a violência, o exército e o próprio Estado. Era o que eu já adivinhava quando criança, sem nenhuma base teórica para tal. Agora eu percebia que tudo era perfeitamente defensável e que eu não precisava aceitar a violência oficial como parte das regras da vida. Voltei então, com alegria, à criança que um dia fui.

E quebrei todos os juramentos que fiz ao Brasil.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 28/09/2017
Reeditado em 28/09/2017
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