Minha criança passada

Fala-se que quando crianças temos mais possibilidade de nos lembrarmos de coisas que aconteceram em vidas passadas – fala-se, naturalmente, quem acredita nelas. É de se imaginar que, se esse negócio existe mesmo, será realmente enquanto criança, quando ainda não fomos moldados pelo mundo que nos cerca, que melhor manifestaremos as qualidades que carregamos do “pré-vida”.

Penso na criança que eu fui, penso no tempo em que eu ainda não havia chegado à idade da razão. Parece que fui uma criança curiosa, pois vivia mexendo em tudo o que meus pais colocavam na estante de casa – a tal ponto que eles tiveram que deixar a parte de baixo absolutamente vazia, senão eu já passava a mão. Tenho ainda a impressão de que fui uma criança bastante amorosa. E, é duro admitir, eu não sou assim hoje. Curioso eu sou, sem dúvida. Essa é uma das características que mais me define. Mas não amoroso. Já carrego uma série de medos que me impedem de ser perfeito em amor. Amo mal, e amo pouco.

Se existiu vida anterior, então se pode afirmar que eu sou, no meu natural, uma pessoa amorosa, tanto quanto era como criança. E, sendo assim, eu estou agora bastante longe de quem eu sou de verdade.

Não seria melhor se eu pudesse me lembrar, não de vidas passadas, mas da minha própria vida enquanto criança? Sempre se diz que a nossa amnésia de vidas passadas se justifica pelo fato de não precisarmos carregar todos os traumas de uma existência pregressa, mas a verdade é que eu perco também tudo de bom que, por ventura, eu tenha construído anteriormente.

Tudo o que tenho hoje são algumas fotos, poucos relatos da criança que eu fui, e que sugerem que eu já fui melhor. Mas não me recordo de como era viver assim.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 13/10/2017
Reeditado em 13/10/2017
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