Entrevista com Maria Helena Sleutjes

Clevane Pessoa
foto:Maria Helena Sleutjes autografando


Lembro-me sempre a data em que conheci Maria Helena Sleutjes (novembro de 2010) , tendo ficado juntas, com Marisa Timponi e Leila Ferreira, na mesma mesa.O evento era um jantar de confraternização no Hotel Victory, organizado por Ricardo Cavalcanti, representante em Juiz de Fora , da FALASP- e a outorga da Medalha Tiradentes, que também recebi, pelo Conde Thiago de Menezes- o Presidente da entidade.
Desde o início, dei-me bem com o trio de talentosas mulheres .Maria Helena Sleutjes e eu, começamos a trocar e-mails e livros.Em breve, sentía-me sua amiga e cativa de seu talento - principalmente, além do literário em si, sua extraordinária capacidade de agregação e parceria, por exemplo, com os ilustradores de seus livros-a começar ,o próprio filho, quando pequeno, até Cristine Guadelupe, em Fractais (FUNALFA/JF) .Enquanto egocentrados têm dificuldades em dividir autorias, Maria Helena sente prazer nessa soma e nessa multiplicação: seus livros sempre trazem na capa o nome do artista que o ilustra.Encantada, coloquei uma de suas respostas dessa entrevista em um ensaio que estou concluindo, nesse tema (em breve será publicado).
A elegância de sua linguagem literária-seja para crianças ou para adultos -tem por argamassa um Português perfeito em tempo e circunstância, com descrições criativas e tudo sem pesar nem um pouco.Mas há, na aparente leveza, uma densidade que nos leva a pensar a respeito, a ponderar, a reler.
Ela escreve bastante, agora aposentada, mantém seu blog encantador, Véus de Maya (veusdemaya.blogspot.com) e reuniões literárias de um seleto grupo em Juiz de Fora,às quais quero muito um dia comprarecer.Conhecer.É dessas criaturas criadoras que versejam ou proseiam com a mesma elegância e estilo.

Para vocês, a entrevista que concedeu-me , com respostas vívidas de suas vivências passadas e presentes- e da qual sei que muito gostarão.

Clevane Pessoa

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Entrevista com Maria Helena Sleutjes

Nasceu no Rio de Janeiro Mora em Juiz de Fora
Estado civil: casada Dois filhos e três netos
Profissão: professora universitária e bibliotecária-documentalista


Clevane Pessoa-1_Maria Helena, desde que tomei conhecimento de seus livros, encanto-me com seu estilo. Desde quando seiu a vocação de escrever? A escolha da profissão (bibliotecária) tem algo a ver com seus fazeres de prosadora e poeta? Quando publicou pela primeira vez? Comente...

Escrevo desde os doze anos de idade. Comecei com as redações do colégio. Nesta época fundei um jornalzinho chamado ESPECTRO onde reunia os escritos dos colegas de turma semanalmente. Este jornal era afixado num mural. No curso clássico comecei a escrever de fato - poesia, prosa poética, artigos, discursos, etc. Meu professor de literatura durante sete anos, Ney Ayala (primo do Walmir Ayala), também poeta e cantor lírico, muito me influenciou.
A profissão de bibliotecária, nada tem a ver com esta minha inclinação para a literatura, ao contrário, por ser uma profissão essencialmente prática, ela muito me afastou da literatura, mas não me afastou dos livros e das bibliotecas, felizmente. Muitas vezes me angustiei diante daquele mar de livros interminável, pois sabia que só conseguia ler alguns, no pouco tempo livre que dispunha.
Meu primeiro livro que é na verdade um folheto, não pertence à área literária, pertence à biblioteconomia. É uma bibliografia que reúne trabalhos publicados por docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em 1990. O segundo versa sobre pesquisa bibliográfica. E assim aconteceu com terceiro e o quarto. Somente em 2001 saiu o primeiro livro de literatura, chama-se Presença e foi algo despretensioso, que fiz para distribuir entre os amigos e para homenagear minha mãe que apreciava muito meus poemas.
Não é que eu houvesse parado de escrever, mas escrevia e guardava: poemas, livros infantis, pecinhas para teatro infantil, e meu diário. Eu sem querer, passara a pertencer a um outro mundo, que era o mundo acadêmico, diferente do mundo literário.


-2_Notei que gosta de fazer enlace de sua palavra, com o trabalho de algum ilustrador. Nos livros infantis isso é quase imperioso, mas também, em Fractais, com poemas adultos e para adultos, usa a parceria com Cristiane Guadelupe. Nem sempre os autores dividem, desde a capa , a autoria com o artista que ilustra. No mínimo, isso é generoso e revela os seus próprios Véus de Maya! Fale um pouco a respeito dessas publicações e parcerias. Inclusive sobre a edição em lâminas, belíssima, de Fractais.

Acho que o que nos é importante deve ser dividido com alguém também importante para nós. O trabalho literário é sempre muito solitário em sua elaboração e dividir esta elaboração é para mim um grande privilégio. É o privilégio de estar trabalhando com alguém que pode entender minha proposta, que teve sensibilidade para traduzi-la de outra forma e assim, a enriqueceu. Por outro lado, falta tanta fraternidade no mundo. Publicar é tão difícil, por que não repartir este pão com os que temos afinidades e nos são caros? É claro que aí, a afinidade é fundamental.
Nos infantis que fiz com a Claudia Freire Lima esta afinidade fica bem evidente.
Estamos lançando agora pela Funalfa um livro onde me reuni a quatro poetas. Um trabalho extremamente gratificante porque nos reunimos para olhar 18 temas. Este livro vai ser lançado em breve.
O Formas Fractais que fiz com a Cris Guadelupe nasceu da minha grande admiração pelas imagens fractais dessa menina genial. Convidei-a para fazer este trabalho comigo e selecionei alguns poemas fractais do meu repertório e fui passando para ela, um a um. Na medida em que ela ia me devolvendo as imagens, eu me convencia de que aquilo era algo incomum e me incentivava a continuar. Porque veja, alguém foi capaz de criar algo de extrema beleza a partir do que eu havia escrito... Isto é muito gratificante. Assim, durante aproximadamente um ano, os poemas foram enviados a ela, e sob a influência do que estava escrito, ela criava as imagens que retornavam a mim. Foi muito interessante também pelo fato de que a Cris tinha apenas 20 anos, e eu 60. Esta foi uma experiência sem fronteiras como o são as experiências literárias e artísticas de um modo geral. Os empecilhos não existem.


-3: Como escreve? A Palavra Poética a toma, ou você lhe toma as rédeas? Quando escreve? Tem hora e lugar para isso?

É tudo isto ao mesmo tempo. A palavra muitas vezes me invade e não tem um momento certo para isto. Às vezes, ao olhar algo interessante, uma cena incomum, ao viver uma emoção maior, ao acordar no meio da noite, e muitas vezes, ela me arrebata em momentos completamente inapropriados. Mas eu também escrevo sem que ela me tome e aí sou eu que a tomo. Escrevo todos os dias, para mim mesma, para me compreender melhor, para me ver melhor, para me sentir melhor. Vou burilando meu existir no mundo através da palavra escrita, e com ela teço o paciente serviço do artesão, que modela, amplia, corta, altera, modifica até que fique satisfeito com o que está sendo produzido. É espanto e exercício, e estas duas coisas funcionam bem comigo.



-4_O título de seu blog revela seus interesses? Gosta de simbologia feminina? Quais as suas maiores áreas de interesse na leitura e no conhecimento?

O título não revela propriamente os meus interesses, embora me simpatize muito com a filosofia indiana. Na verdade, ele traduz um pouco da leveza que me habita e da ilusão que me é necessária para o movimento poético. Esta escolha também se ateve ao fato de querer ter um domínio na Internet de fácil acesso. Repare que quando se digita veusdemaya o interessado é lançado quase que automaticamente para o meu site. Este nome foi criteriosamente estudado por mim e pela Cristine Guadelupe que me assessora nesta área.
Gosto de simbologia feminina e de tudo que tem características femininas positivas, como o são as questões do tempo/espaço mais fluídos; da emoção mais aguçada, do cuidado como forma de estar presente na vida do outro...
Eu me interesso visivelmente por poesia desde que me entendi como gente. Leio poesia sempre e fico ainda muito feliz ao perceber como a emoção de outra pessoa pode ser tão diferente da minha, como um olhar pode me abrir mundos desconhecidos. A poesia exerce sobre meus sentidos uma espécie de deslumbramento que é difícil descrever.
Boa literatura também é sempre bem vinda. Hoje aprecio especialmente o Mia Couto, tradutor da alma moçambicana, repleta de ritmos e mistérios próprios, muito poéticos; o Ezio Flávio Bazzo e suas crônicas, que embora irreverentes muitas vezes, são um esbanjamento de cultura e humor refinados, além de muito lúcidas. Gosto muito também da coragem e clareza de visão da Marta Medeiros, entre outros.
Filosofia é outra área pela qual me embrenho e nunca saio chamuscada, gosto imensamente do Edgar Morin, do Zajdsznajder, do Martin Heidegger e aí vou mesclando também o Chopra, o Capra, o Marcelo Gleiser, o Yves Leloup...
Também me interesso vivamente pelos ensinamentos do Yoga e dedico especial atenção a Patanjali, com afeto até devocional.
O que busco sempre é aprender mais, ler o que faz eco em mim e isto pode ser muito variado porque eu também adoro literatura infantil e leio livros infantis constantemente, assim como os bem humorados Garfield, Mafalda, Calvin... (rsrrs)

-5_ Depois de escrever esses já editados, tem algum livro inédito? Em caso positivo, gostaria de falar a respeito ou prefere fazê-lo quando for lançar?

Está já na gráfica, o nosso EXERCÍCIO DE OLHAR, que está sendo editado sob a chancela da FUNALFA. O livro reúne cinco poetas: Ana Másala, João Manoel, Alessandra Espínola, Lázara Papandrea e eu. A proposta foi escolher alguns temas sobre os quais iríamos debruçar nossos olhares de forma individual e depois reunir estes olhares. Foi um espetáculo construir esta verdadeira cascata de poesia pura, genuína e muito harmoniosa, com tudo o que a poesia tem de beleza e contradição.
Estamos muito felizes com o resultado e devemos em breve estar fazendo o lançamento do mesmo aqui em Juiz de Fora.

Dois outros livros também estão a caminho. Um, são poemas de Cleonice Rainho selecionados por mim. Cleonice, você bem conhece, é escritora ilustre da cidade, com reconhecido trabalho literário e eu tive este privilégio de me debruçar sobre seus poemas para retirar os que mais me chamaram a atenção e compor o livro que deverá se intitular: CLARIDADES. O outro é sobre Murilo Mendes, o grande poeta juizforano e se intitula: PRAZER EM CONHECER: um olhar poético sobre a vida e obra de Murilo Mendes.

-6_ Fale um pouco de sua vida literária em Juiz de Fora e de seus grupos de apoio.

A minha vida literária em Juiz de Fora é boa. Tenho a grande honra de fazer parte da Academia Juizforana de Letras e ter a amizade de alguns escritores que me são muito caros e com os quais tenho aprendido muito.
A Lei Murilo Mendes de incentivo à cultura é algo que torna esta cidade muito atraente no campo literário, além do fato da cidade ser bem cosmopolita em termos culturais.
Aqui, montamos um grupo chamado Café com Poesia (e Arte) que existe desde 2009 e nos reunimos de vez quando para uma troca saudável de idéias.

-7_Quais familiares mais a apoiaram em seu fazer de autora? Algum parente também é escritor(a)?

Bom, todos aqui em casa gostam dos meus escritos, mas eles atuam em outras áreas do saber. Minha filha, é sem dúvida quem mais me incentiva neste caminho. Meu filho, Lucio tem vários livros publicados, ele é meu ilustrador querido nos infantis, mas seus livros são didáticos, na área de anatomia humana. Minha irmã, que era professora da UFRRJ, deixou-nos um livro de poesias, por sinal bem tocante. Mas o apoio mesmo veio do Ney Ayala, do Luiz Fernando Proa, da Leila Barbosa e da Marisa Timponi. E de pessoas como você, que estão sempre abrindo espaço para os autores.


-8_Deixe-nos aqui um ou vários de seus poemas - dos quais mais gosta e obrigada pela gentileza em responder a essa entrevista.

Eu é que agradeço esta oportunidade de estar sendo entrevistada por uma grande escritora, autora de tantos livros e poeta das mais sensíveis que conheço.
Aqui estão alguns poemas:

ENCONTRO

[do livro: Exercício de olhar]

Perde-se na distância
o dia
que se recorta em tiras
no horizonte.
Todas as cores da vida
afunilam-se
e a noite
pouco a pouco
tece seu velho manto.
Meus olhos
de luar
procuram-te.
Fugitivos
teus olhos,
estrelas da noite,
no mar
mergulham.
Em mim,
O oceano brilha indecifrávelmente.

Estás por perto.



FISSURA

[do livro: Formas Fractais]

Vi teus olhos
pendidos
das fissuras das rochas,
cravados,
nas paredes das encostas,
no tinir do tempo,
pedaços vivos.

Como os girassóis
de van Gogh
teu sol girou
meu caleidoscópio.

Alguém lembrou
as coordenadas do tempo
crosta indestrutível.

Agora,
como enganar
minha memória??


VAZIO

[DO LIVRO: Formas Fractais]

Ontem
quando quebraram a lira dos anjos
o amor olhou pela janela
e ela, a dança da vida,
estava sentada
na beirada das horas
[palidamente].

Não há outro jeito
senão deixar o tempo
consertar a lira
[se é que a lira
vai ter conserto].

Enquanto isto,
guarda-se a música
nas nuvens
até que chova.
Assim,
blocos de silêncio
formam a lua deltóide
do ir embora
para Varsóvia.

O vazio bifurca-se
[indefinidamente]
Agora,
tudo é muito menos.


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Cógigo para slideshow de fotos de Maria Helena Sleutjes e capas de livros de sua autoria..

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