Entrevista com Archidy Picado Filho sobre seu novo livro “Os Cães do Diabo – A história que Pero Vaz de Caminha não contou”.

André Ricardo Aguiar

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André: Depois da publicação de Sobre Deus & eus (palestra, 2011), Seis breves histórias sobre a Vida, o Tempo o Amor e a Morte (contos, 2009), A Máquina da felicidade e o cromossomo Zen (comentários, 2005), Lições de Voo (infanto-juvenil em três edições, a primeira em 1995, a segunda em 2000 e a terceira em 2003), Lições de Voo II – a descoberta de Zryr (2003), Janelas da Alma (romance “policial espiritualista de ficção científica”, 2001) e A última história de Batman (sob o pseudônimo de “Andryus Tzappak”, em 1999), você publicou Os Cães do Diabo - A história que Pero Vaz de Caminha nãocontou (novela, 2012), tendo como fonte de inspiração a carta do escrivão português Pero Vaz de Caminha, integrante da expedição de descobrimento do Capitão Pedro Álvares Cabral. O que o motivou a usar a carta de Caminha como fundamento de sua história?

Archidy: Como contador de histórias, influenciado por leituras dos livros da Bíblia, do colombiano Gabriel Garcia Marques, do argentino Júlio Cortázar e do norte-americano Ray Bradbury, entre outros, tendo a construir narrativas no universo fantástico. Não apenas por considerar a beleza poética intrínseca das narrativas fantásticas, mas por constituírem excelente exercício de imaginação. Terminei um livro chamado Minha querida Joana, onde conto a improvável relação de amizade entre uma jovem vampira de trezentos anos e a guerreira francesa considerada santa, Joana d’Arc. Escrevi o livro motivado pelo sucesso dos livros de autores que escrevem sobre tais bestas fantásticas, já que, como escritor, busco atrair a atenção de editores que investem no que exige o mercado. Apesar de muitos escritores considerarem isto uma espécie de “traição” aos princípios fundamentais da Arte, especificamente na Literatura – que parece exigir de nós, artistas, que expressemos sempre o que livremente imaginamos sem o intuito de agradar a quem quer que seja ou em atendimento a exigências comerciais - considero um desafio a mais escrever ou fazer qualquer outra arte em atendimento a certas demandas. Não é fácil escrever um “livro fácil”, como os de Paulo Coelho, assim como o pintor espanhol Pablo Picasso reconheceu a dificuldade de pintar como uma criança. Já que havia escrito uma história com uma personagem vampiro – que deverá ser publicado no segundo semestre de 2014 (esperando poder editá-lo na França, em francês) – decidi que seria interessante tentar contar uma história sobre lobisomens, outro personagem fantástico fascinante, metáfora do que ainda existe de bestial em nós mesmos. Aí, sempre definindo o começo e o fim de minhas tramas antes de escrevê-las, comecei a pensar na história e me veio ideia de situá-la na época do descobrimento do Brasil, numa terra selvagem onde, segundo o historiador francês citado no livro, Jean Delumeau, autor de História do medo no ocidente, “o estranho era a regra – um estranho muitas vezes assustador”. E escrevi “sobre o Brasil” também para tentar atender a expectativa de amigos leitores, que me sugerem sempre situar minhas tramas em ambientes tipicamente brasileiros, nordestinos, paraibanos – o que nunca fiz. Aliás, não considero minhas histórias tipicamente coisa alguma. Todas são expressões de universos fantásticos onde, todavia, eu e você nos reconhecemos, assim como nossos absurdos cotidianos, e onde aceitamos absolutamente fantástico o fundamento dos mecanismos de manifestações das muitas dimensões da Vida no vazio universal! E aí, para escrever minha história de lobisomens, lembrei imediatamente da carta de Pero Vaz de Caminha, e que poderia usá-lo como seu narrador.

André: Pelo que li, caminha volta para Portugal num navio açoitado por violenta tempestade, onde vítimas de arranhões e mordidas estão prestes a se transformar em lobisomens, enquanto Caminha narra sua situação de penúria trancado em sua cabina, junto com Pedro Álvares Cabral e alguns poucos outros delirantes sobreviventes do massacre proporcionado pelas feras que eles encontram aqui. Além de abordar temas fantásticos, é uma história de terror.

Archidy: Como escritor, você é adepto de que devemos escrever o que quiser, sem restrições de temas ou formas narrativas. A violência e o terror fazem parte da vida e das artes. O filme "Carandiru" não ganhou o Oscar porque foi considerado violento pelos jurados norte-americanos; a despeito de que produzam atrativos filmes violentos, como "Jogos Mortais" ou "Lobisomem", entre outros onde, daqui a pouco – não duvide – vão inventar para que, entre aromas artificiais, um filme em terceira dimensão faça você sair do cinema com a camisa manchada de sangue. Mas o problema – ou a solução – é que toda essa violência deles é – como disseram – obra de ficção, enquanto "Carandiru", mesmo uma obra de arte, conta uma história real. Na violência contida no cinema estadunidense há muitos artistas envolvidos na produção daquele sangue ou daquela gosma toda, muita inteligência reunida a fazer com que, por exemplo, um filme de animação, de estética hiper-realista, essencialmente feito para adultos, atraia também crianças. Mas o cinema norte-americano conquistou o mercado mundial em mais de cem anos de produção maciça, grande parte de seus filmes, mesmo em seus primórdios, feitos com técnicas rudimentares, abordando temas fantásticos – hoje, muitos inspirados nos super-heróis de histórias em quadrinhos, o que muito agrada a milhares de espectadores como eu, que apreciam as formas como aqueles artistas usam a mentira, a técnica ilusionista do Cinema, para produzir certas verdades. Quando se vai produzir uma história é importante procurar sempre atrair a atenção do leitor, de livros ou de filmes. Como maioria de nós, ele adora ver tragédias nas histórias que assiste ou lê, de preferência, com pitadas de comédia; e sempre com finais felizes. Porque o que faz o leitor suportar vivenciar a tragédia dos personagens de uma obra, literária ou cinematográfica, é sua certeza de que, no fim, tudo vai dar certo.

André: O que nem sempre tem acontecido; como não acontece em sua história.

Archidy: Todo artista quer inovar; aí, surgem aqueles que, para saírem do lugar comum dos finais felizes, propõem finais infelizes para suas tramas que, então, pensam tornar mais realistas. A satisfação de tais autores é causar a insatisfação de seus espectadores leitores, que gostam quando são surpreendidos pelos autores. No caso de "Os Cães do Diabo" a história fica “inacabada”, não sabendo o leitor o que pode ter acontecido com Pero Vaz de Caminha, enquanto meu personagem, naquele navio cheio de lobisomens.

André: Você se apropriou de alguns trechos da carta original de Pero Vaz de Caminha para contar sua história.

Archidy: Peguei uns trechos de suas vinte e tantas páginas e ampliei-os, aproveitando situações descritas por Caminha para contar imaginárias à composição de minha história.

André: Mas você pôs na contracapa um trecho do livro que atribui a ditos de Caminha, e eles não são. Não é uma desonestidade para com a História e para com o leitor?

Archidy: A despeito de ter usado partes da carta de caminha, meu livro é uma ficção. Não pretendi contar a verdade dos fatos. De fato, o que está escrito na contracapa do livro não foi o Pero Vaz de Caminha histórico quem disse, e o leitor só descobrirá isso se for ler a carta original do escrivão. E assim terá que fazer para saber exatamente quem escreveu o que em "nosso" livro, mas posso lhe garantir que oitenta por cento do que você leu foi invenção minha. Dessa forma, isento Pero Vaz de Caminha de poder ser considerado um mentiroso.

André: Não há muitos erros de redação em seu livro, embora um bom revisor possa achar mais do que achei. Você submeteu seu livro a um revisor?

Archidy: Não. Eu mesmo fiz a revisão do texto, outro desafio para o escritor que, depois de leituras e releituras, tende a decorar o texto que escreveu e pensar as palavras antes de vê-las na tela do computador, deixando passar muitos erros. Esforcei-me o máximo a atenção para não deixar que isto acontecesse. Para escrevê-lo, também contei com a colaboração de amigos melhores em Português do que eu, que me esclareceram quanto a conjugações de verbos à formação de orações na segunda pessoa do plural, tempo verbal comum entre diálogos e escritos no tempo de Caminha. A contar com os possíveis erros de ortografia do texto, ou mesmo com sua provável má estrutura, aproveitei a situação de Caminha em "Os Cães do Diabo" para maquiar minhas deficiências literárias, quando "ele" pede desculpas aos críticos do presente pelos erros e excessos contidos em "sua" narrativa – uma vez que, como escritor incorporado ao desespero de meu personagem, a história foi fruto de nossa ansiedade.

André: Você ainda não lançou o livro. Não vai lançá-lo?

Archidy: Estou esperando o momento certo, mas não quero sair correndo a fazer produzir outra vez toda a festa de lançamento de meus livros, como geralmente faço. Preciso de um ou mais produtores do lançamento. Porque também, durante o lançamento, quero fazer uma encenação de um trecho da história gravada em vídeo; para mostrar mais ou menos como seria se a obra fosse adaptada para o Cinema, ou para a Televisão, por nós mesmos, o que sempre foi minha pretensão. Na verdade, influenciado pelo cinema norte-americano, escrevo histórias para serem adaptadas às expressões audiovisuais citadas, embora também ficasse satisfeito se as visse adaptadas para os quadrinhos ou para o Teatro. Principalmente pela turma de quadrinistas do grupo Made in PB. Porque, como sempre disse, precisamos começar a unir forças uns com os outros para que, como fizeram e fazem os que vivem no sul do Brasil, como em outros países, possamos também desenvolver nossos talentos e criar nosso próprio mercado consumidor, antes de exportar nossas artes pelo mundo afora.