Epístola da cotovia ás aves sem canto

Epistola da Cotovia às aves sem canto

A natureza é sábia e justa.O vento sacode as arvores,move os galhos para que todas as folhas tenham o seu momento de ver o sol...(Humberto de Campos)

Ouvia a cotovia o lamento de pássaros que não tinham beleza e nem belo canto.
Diziam elas:”Pobre de nós que alçamos pequenos vôos que quase rastejamos o peito no chão,nossa plumagem é menos atrativa que o deserto arenoso infértil e o nosso canto mais parece grunhido de ave ferida.Na Primavera,aperfeiçoamos a voz e o que se ouve é tosco arremedo de cantiga do brejo!”
Estavam,tristes,reunidas sob a sombra de vigoroso salgueiro,quando a Cotovia trazendo a inspiração do Eterno,falou:”Minhas amigas queridas não desanimem e trago comigo mensagem que Ele ,de mim,fez portadora...”

Quando a cotovia iniciou a fala,um doce perfume de madressilva permeou o ambiente e o vento de outono sacudiu,levemente,as frondes da imponente arvore.
As folhas,em movimento alegre com o contato da brisa pareciam exultantes,felizes com aquele momento,mas,em sua maioria permaneciam agarradas aos galhos do salgueiro.

“Amigas irmãs,assim será o destino de todas!”Haverá um dia,em que o vento de Outono afastará os galhos que encobrem o Maravilhoso e,então,poderão contemplar o Maravilhoso em toda a Sua plenitude!”

A cotovia narrou o romance de duas aves sem canto e beleza,mas que se amavam,profundamente.
De tanto amor que sentiam,um dia,o Maravilhoso soprou-lhes a doce brisa de Outono e os pássaros tornaram-se as Aves do Paraíso com penas vermelhas,azuis,amarelas,lilases e o canto mais belo que algum ouvido poderia ouvir.Em verdade,somente quem tivesse os olhos e ouvidos da alma poderiam sentir o encanto emanado pelos dois amantes...
O Maravilhoso com a voz mais cálida que a suavidade de uma pena,recitou,através a Cotovia aquele poema que parecia vir das regiões quiméricas perdidas...






Folhas de outono



Qual folha d'outono que flutua e suave pousa,assim
Caíste,dolente em meus braços,languida ,meiga, serena
E,teus cabelos,perfume de flor,criaram manto sobre mim
Que,neste segundo de amor,quisera velá-la,silente,apenas

Era,deveras, a estação ,um tempo de nosso recolhimento
Sentíamos,algo de divino,ao contemplarmos um ao outro
Acariciava-lhe a face,enquanto sussurravas num momento
“Dou-te minha alegria,amado meu,estampada no meu rosto”


Galhos,secos desnudos,contudo,mantinham a esperança
Posto que,fundo,a ternura dormitava na ânsia em meu peito
Que,em sonhos,entoava em seus ouvidos,cantigas de criança..
Animava-me,ainda que,do inverno o frio,nada fora desfeito !

E,vieram as flores e com elas,a brisa amena desta ventura
Sobreveio-me,então,a certeza que viria o tempo do amor
E,minha amada, tranquila,sorrindo,revelava linda criatura...
Que,de tamanha beleza,assim,jamais,ousaria ,um dia,supor!

Beijei-lhe,os úmidos e macios lábios,sugando-lhe néctar doce
Desci,lento,teu gracioso vale,desmanchei-me em caudaloso rio
Guardei,na concha das mãos,teus seios,como pombinhas fossem.
Arfamos nossos peitos,rasgando a pele,como feras, violento cio

Aos poucos,vento d'outono arrancou,rude, folha amarelada
Sentimos,então,que,da reflexão,retornaria,enfim, novo tempo
Qual toque de flor,a pétala acariciei,então,os olhos d'amada
Quedei-me,pois,qual devoção d'’amor,inesquecível momento!




As aves sem canto e sem beleza permaneceram em profundo silêncio que,minutos após,foi interrompido pelo canto sentido de uma ,depois de outra,mais outra transformando ,em breve,numa cantoria primaveril que foi acompanhada pelo coro festivo de todos os passarinhos da floresta!