A METÁFORA E SUAS RAMIFICAÇÕES

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Figuras de Linguagem

 

1. METÁFORA (Grego metaphorá = transporte, translação)

O primeiro conceito acerca de metáfora deve-se a Aristóteles (Poética): “A metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra, (...)”. Daqueles anos Aristotélicos aos dias de hoje, a metáfora tornou-se um assunto controvertido. Considerável parcela da complexidade advém de suas profundas ramificações com outras figuras de linguagem.

Em termos práticos, a metáfora consiste na transferência de um termo para uma esfera de significação que não lhe é comum ou próprio, a partir de uma relação de semelhança (analogia) entre dois termos. Quando alguém diz: Maria está mergulhada na tristeza, não podemos entender o verbo [mergulhar] em seu sentido exato, denotativo, dicionarizado, que é o de afundar-se inteiramente em água. Entretanto, há um ponto comum entre este significado e o significado que o verbo adquiriu na frase: assim como a água cobre completamente o corpo que nela é mergulhado, também a tristeza “cobre”, completamente, Maria. Pois é graças a esse caráter de semelhança que a metáfora transporta o nome de um objeto a outro. A base da metáfora é, portanto, a semelhança. Exemplos:

- A vergonha queimava-lhe o rosto.

- Suas palavras cortaram o silêncio.

- O relógio pingava as horas, uma a uma, vagarosamente.

Segundo Massasud (1978), a metáfora não é exclusiva da linguagem literária que tem suas raízes na intenção deliberada de criar efeito emotivo. Ela ocorre da mesma maneira na linguagem falada (tão abundante quanto nos textos literários). A diferença estaria no caráter assumido pela metáfora vulgar cotidiana e a metáfora utilizada com objetivos estéticos. Em geral, a linguagem falada recorre às metáforas mortas ou latentes, quer dizer, metáforas tornadas clichês, vazias de sentido, conhecida como catacrese.

2. CATACRESE, A METÁFORA ESTEREOTIPADA OU VICIADA.

Do Grego katákhresis (= uso impróprio, abuso) e denominada abusio em Latim. A catacrese é uma metáfora estereotipada, mas obrigatória, por atender a uma necessidade de uso, e não por um efeito expressivo. De feição nitidamente popular, resulta a catacrese da ausência de um termo próprio para designar determinado objeto ou coisa (pernas da mesa, cabeça de alfinete, etc.). É um fenômeno da pobreza (inópia) do sistema linguístico, que falha diante da necessidade de designação de uma palavra, fazendo esta representar com base numa pura analogia, um objeto ou parte de um objeto para os quais não existem nomes de referência particulares; conduzindo-a, às vezes, ao estabelecimento de relações de semelhança, até abusivas e forçadas. Ou, existindo a palavra, no caso um termo exato ou técnico, substituí-lo por um menos formal. A catacrese aproxima-se da metáfora, ou chega mesmo a confundir-se com esta: Veja os exemplos:

- Barriga da perna em vez de panturrilha.

- Céu da boca em vez de palato.

- Embarcar num trem (embarca-se na barca).

- Enterrou uma farpa no dedo (enterra-se na terra).

- Braço de mar - dente de alho - pé de montanha.

Essas metáforas já foram incorporadas pela língua, ou seja, perderam seu caráter inovador, original e transformaram-se numa metáfora comum, morta, que não mais causa estranheza. Em outras palavras, transformaram-se numa catacrese. Porém será um deslize gramatical quando não vier duma necessidade, ou seja, quando o ser ou coisa já ostentar expressão própria; por exemplo:

- Bebeu a sopa, em vez de, tomou a sopa.

- Arrancou laranjas, em vez de, colheu laranjas.

 Fora daí, admite-se a catacrese como enriquecimento metafórico:

"Dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos; [...]." (Graciliano Ramos, Vidas Secas.)

3. A METÁFORA SINESTÉSICA (SINESTESIA)

Palavra oriunda da Psicologia. Designa a transferência de percepção de um sentido para outro, isto é, a fusão num só ato perceptivo, de dois ou mais sentidos (sensações visuais com auditivas, gustativas, olfativas, tácteis) numa mistura de ricos efeitos expressivos. Assim, ruído áspero denota o congraçamento da audição e do tato. Outros exemplos:

- A cor cantava-me nos olhos... (visual cor e a auditiva cantar).

- Uma melodia azul tomou conta dá sala. (auditiva e visual)

- Senti saudades amargas. (sensação gustativa)

- Esse perfume tem um cheiro doce. (sensação olfativa e gustativa)

- O brilho macio do cetim. (visão + tato)

- O doce afago materno." (paladar + tato)

- [...] entravam claridades cinzentas e surdas,... (C. Lispector)

- Som que tem cor, fulgor, sabor, perfume. (Hermes Fontes)

A sinestesia é usada em Literatura desde a Antiguidade Clássica, entrou na moda no século XIX, graças a Baudelaire. Considerada um dos recursos mais típicos do Simbolismo, a sinestesia é reconhecida pelos linguistas como um tipo de metáfora, ou mesmo um grau de metáfora.

4. A METÁFORA HIPERBÓLICA (HIPÉRBOLE)

Do Grego hyperbolê (excesso), é a figura do exagero deliberado, que leva o escritor a deformar a realidade exagerando de uma ideia, seja por amplificação, seja por atenuação, visando à obtenção de maior expressividade, quer no sentido positivo, que no negativo, segundo o seu modo particular de sentir. Exemplos:

- Corria feito um raio. – A sua alma era um vulcão.

- Comi sem parar a noite inteira! – Sou louca pelos meus filhos.

Expressões como essas fazem parte das hipérboles do dia-a-dia e, por isso mesmo, seu valor estilístico praticamente já desapareceu, porque já se incorporaram ao falar cotidiano de tal forma que as expressões não provocam mais surpresa ou estranheza. Contudo, o valor afetivo dessas expressões, permanece. Na literatura, não raro, a hipérbole é usada como um recurso estilístico: Envio beijos, mas tantos beijos / Quantas estrelas há no Brasil. Nestes versos de Martins Fontes, é fácil sentir o efeito expressivo da hipérbole.

 

5. A METÁFORA PERSONIFICADORA (Personificação ou Prosopopeia)

Também chamada de animismo, a personificação atribui vida ou qualidades humanas a seres inanimados, irracionais, ausentes, mortos ou abstratos. A humanização ou animismo pode dar-se de vários modos, a saber:

a) Quando se conferem a objetos inanimados e a abstrações (coisas abstratas) qualificativos próprios do ser humano, por exemplo: O dia amanheceu enfurecido.

b) Ao emprestar às coisas inanimadas poder de ação peculiar aos seres humanos: A chuva semeou um pouco de esperança no solo calcinado.

c) Quando nas apóstrofes, nos dirigimos aos seres inanimados como se fossem capazes de inteligência ou compreensão: E tu, nobre Lisboa, que no mundo [...]. (Camões)

d) Quando adquirem [voz] a matéria inerte e os seres abstratos, como, por exemplo, no Criton, diálogo acerca de Sócrates na prisão, em que Platão põe as Leis a falar.

A mais genialmente arrojada prosopopeia da língua portuguesa é, sem dúvida, a personificação do Cabo das Tormentas na figura do Gigante Adamastor. (Camões, Os Lusíadas, V, 39-59.)

Há, todavia, quem estabeleça distinção entre Prosopopeia, Personificação e Animismo, reservando os dois primeiros para referir a atribuição de qualidades ou comportamentos humanos a seres que não o são e o último para a expressão de sinais ou comportamentos vitais atribuídos a coisas inanimadas, como as rochas, os metais, os objetos, etc.; mas sem os elevar à categoria de humanos. Exemplificando:

- As árvores torciam-se e gemiam, vergastadas pelo vento. (Prosopopéia e personificação)

- Chegada à noite, os cumes das montanhas e os picos das serras deixavam-se adormecer no travesseiro celeste. (animismo) ®Sérgio.

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Para maiores informações sobre o assunto ver: LUFT, Celso Pedro. Novo manual de português, gramática, ortografia oficial, redação, literatura, textos e testes. 9ª.ed. São Paulo: Globo, 1990. / Moisés, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 1966.

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Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 04/09/2008
Reeditado em 20/05/2013
Código do texto: T1162081
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