Raimundo Carrero

"APENAS UM LUGAR ONDE SE DIVERTIR: embaixo da mesa. Deitado, de joelhos ou sentado no chão, testemunhava as pernas e os pés, as sandálias e os sapatos passando, movendo-se na lerdeza da casa. Sequer se preocupava com dedões e calcanhares, unhas ou calos, estrias e veias azuis, tudo de terceira ordem. Testemunhava, é verdade. Mas o que lhe assegurava eternidade era a certeza de que ali não seria incomodado, nem pelo vento nem pelas asperezas da tarde.
Não precisava se explicar, ninguém perguntava. Depois do almoço as pessoas cochilavam nos quartos ou nas cadeiras, revelavam conversas mornas na cozinha ao sabor de um café quente, espichavam-se no silêncio das horas, sibilavam palavras em diálogos preguiçosos. Ele se preparava para o exílio - alimentado e regado exílio, euforia solitária de menino. Vestia calça com suspensórios, sem cueca e camisa, pés descalços, ajoelhava-se e engatinhava na direção da mesa, em busca da aventura de si mesmo.
O espetáculo de sapatos e sandálias, pernas e calças compridas, canelas e joelhos se repetia. Para que tantas pernas?"
 



Lembro sempre dessa história de Raimundo Carrero, achando-a divertida. Quando ele falava sobre isso, durante as aulas em sua oficina, eu ficava imaginando as conversas e a cara dele embaixo da mesa, no seu mundo, no seu silêncio, que de alguma forma, um dia, eclodiria.

Foi só o princípio de tudo, pois sua imaginação, determinação e curiosidade, levaram-no muito mais além.

Nascido em Salgueiro, sertão de Pernambuco, veio para Recife na adolescência. Em 1969 já era jornalista e em 1975, publicou seu primeiro livro: "A História de Bernarda Soledade - A Tigre do sertão", com prefácio do amigo Ariano Suassuna.
O livro teve excelente  repercussão mesmo fora de Pernambuco.

Como nordestino, combateu o rótulo de regionalista que os mesmos costumam ganhar, mesmo que sua obra nada (ou muito pouco) tenha do gênero. 

Tornou-se bastante popular em seu estado por suas concorridas oficinas literárias e pelos diversos romances que já deixaram marcas, como: "Somos Pedras que se Consomem" (1995), ganhador dos prêmios Machado de Assis e APCA e "As Sombrias Ruínas da Alma" (1999), que recebeu o prêmio Jabuti. 

Outras grandes obras foram: " AO Redor do Escorpião...Uma Tarântula?", "As Sementes do Sol - O Semeador ", " A Dupla Face do Baralho", "Sombra Severa", " O Senhor dos Sonhos",  "Viagem no ventre da Baleia", "Maçã  Agreste", "OExtremo do Arco-Iris", "Sinfonia para Vagabunos" e "Delicado Absimo da Loucura".

 Além disso, Raimundo Carrero apresenta possibilidades e caminhos sobre o fazer literário em "
Os segredos da Ficção" — um guia da arte de escrever .

 
O seu último livro: " O Amor Não Tem Bons Sentimentos" (Iluminuras), está entre os 10 indicados para o prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa/2008, um dos prêmios mais prestigiados do Brasil e pelo qual, parabenizo, desde já, pelo sucesso.

Os amantes da boa literatura, que moram em Recife e proximidades, podem se inscrever nas oficinas oferecidas pelo autor, onde são estudadas técnicas de diversos autores e onde Carrero, com  maior humildade, discute sobre as suas.


Porém, jamais  faça as seguintes perguntas: "por que ser escritor" e " se não fosse escritor, o que seria?", sob o risco de vê-lo um pouquinho irritado quanto ao óbvio.

 
Olhos:

“Não se escreve com críticos nos ombros. Retire os críticos e trabalhe. Crítico vem depois.”

“Sem acreditar na voz narrativa é impossível criar. A princípio ela é barulhenta, confusa, equivocada. Não importa. A experiência de sua descoberta é única. Deve-se acreditar sinceramente nisso.”

“Romance não serve para provar nada. Ficção é para contar histórias e alcançar alto nível artístico. Obra de arte, em geral, não tem que provar nada.”

 À você Carrero, com minha sincera admiração.



Oficina Literária Raimundo Carrero: 
contato: 081. 88566208