Minha Mãe

Alguns escrevem com as técnicas obtidas em faculdades; outros com o talento oferecido por Deus. As duas formas são importantes. A mim coube a segunda opção aliada aos estudos, pois desde pequeno gostei de ler e escrever, registrando desde então a percepção do que vejo e sinto. Faço tais colocações porque devo essa facilidade de comunicação à minha mãe Benedita Cabral, a qual, mesmo com sua simplicidade, sempre nos colocou à disposição vários materiais para leitura; como este jornal dominical, de circulação nacional, que vejo aqui do meu lado: foi ela que me deu no domingo, 08 de março, Dia da Mulher. Lembro, ainda, de uma enciclopédia comprada por ela a custo de muito sacrifício, na década de 60. Tamanha a sua preocupação em instruir-nos.

Dentro de centenas de textos, na maioria crônicas, em alguns descrevi minha mãe; porém, com um sorriso ela me pedia para não publicar. Ao que eu respondia: “Mãe, algum dia eu publicarei”. Pelo sorriso da resposta, entendi que poderia.

Crônica em Homenagem à minha Mãe.

No dia 29 de março de 1939, lá no sertão nascia minha mãe. Aqui começa um resumo das histórias reais das grandes heroínas, muitas no anonimato, talvez iguais a minha ou a sua mãe, leitor, ou, para ser mais amplo, como as mães de milhões de brasileiros que tiveram de deixar o campo – a roça, a carência do sertão, migração entendida como êxodo dos anos 50, fato que ainda hoje acontece, pois muitas famílias migram para a cidade em busca de um sonho, uma vida melhor.

Minha mãe e seus parentes chegaram em Aparecida em 1956, vindos lá da roça de Lorena e Cachoeira, Sertão Velho, Macacos, ou, para ser mais exato, de um vilarejo chamado, na época, de São Miguel. Passei parte de minha infância ouvindo suas histórias de roças, portões, enxadas, campos, plantações e muito trabalho. “Eu tinha uns 12 anos e já estava trabalhando na roça”, contava-me ela.

Tenho fotos em preto e branco de minha mãe ainda jovem com outras moças trabalhando no Hotel Recreio, quando ainda era dos padres redentoristas. Isto, nos meados dos anos 50, tempo em que um jacaré de concreto ainda era atração turística numa área próxima ao hotel. No ano de 1958 casou-se aqui em Aparecida com Sebastião , meu pai.

Mesmo em preto e branco dava para imaginar o colorido da época. Eram os anos dourados, os sonhos refletidos em seu sorriso. Sensíveis memórias em P&B, arquivadas a cores em nossos corações. Nasci em 1958: sou o filho mais velho de Benedita Cabral.

Rua expedicionário Monego, nome de combatente. Final da rua Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador. O encontro dessas duas ruas foi o local que o destino reservou para que os meus pais construíssem um lar para criar seus filhos, eu e mais cincos irmãos, a saber: Saulo , Roseli, Sandra , Mariza e Reginaldo . Elizabethe e Pedro não completaram um ano de vida.

Dias de leves brisas, céu azul debaixo da sombra de ipês. Primavera... Ou debaixo daquela solitária árvore que marcou o morro por muitos anos. A olhar centenas de eucaliptos à frente, ouvia eu uma voz ecoar entre os morros. Era minha mãe avisando-me da hora de vender os pastéis e doces preparados.

Com o ganho da venda de milhares de pastéis e doces, ora em bares, ora em outros lugares, nossa mãe conseguia o necessário para ajudar nosso pai no sustento de nossas vidas.

Dona "Dita", ou seja, Benedita, exerceu várias atividades entre os anos 1955 e 70. Costurou roupas, trabalhou em hotel, em cozinha de restaurantes, pizzarias, barracas em festas, vendas de perfumarias, e por fim se estabeleceu como comerciante em 1978, no final da rua Primeiro de Maio.

Quem a conhece sabe da grande guerreira que foi. De sua coragem de enfrentar os problemas do dia-a-dia sem reclamar. Tinha a bondade no coração além do que poderia ter um comerciante, pois muitas vezes vendia sabendo que não receberia. Um dia ela me disse: “Filho, pode ser até que eles não me paguem, mas não posso deixar os filhos deles sem pão e leite. Deus me retribuirá depois.” Deus retribui-lhe, sim, pois fez que fosse ela a primeira a receber em seu telefone a notícia do Conselho Regional de Odontologia, que lhe deu a seguinte mensagem: “Por favor, avise o seu neto Dr. Rodrigo que a Carteira dele, do Conselho, está pronta”. Assim contou-me ela, no mês passado. E também estava feliz por outros filhos, netos que se formarão em breve. Ao lado de sua cama, um terço sobre um pequeno armário, orava por todos, terço que ela levou consigo, em suas mãos. Era devota de São Benedito e Santa Rita de Cássia.

Minha mãe não tinha nenhum tipo de preconceito e nem de inferioridade, tinha coragem e respeitava a todos. Tanto que, em 31 anos de comércio, nunca sofreu um assalto ou furto. Todos, em troca, a respeitavam. Mesmo não tenho tido a oportunidade de freqüentar escolas, lia e escrevia muito bem e fazia suas contas de cabeça. Era politizada, gostava de falar em política, no sentido de poder contribuir com o candidato representante do bairro onde morou por mais de 50 anos. Acertou muitos prognósticos.

Beirando 70 anos, com o tempo e luta o seu coração feito de bondade e músculos que foram enfraquecendo, e nós, seus filhos, solicitávamos: “Mãe, pare ou reduza seu tempo de trabalho”. Mas ela insistiu em fazer jornadas longas, dizia que gostava de ficar no trabalho e seu trabalho era uma satisfação.

Nos domingos, natal, final de ano fazia questão de ter os filhos e netos nos almoços e ceias. Graças a Deus pude estar com freqüência com ela. Não dispensava a chamada “geladinha” ao lado de noras e genros, como a Cidinha, Walter, João e Shirley. Nos tradicionais "Passeios de Dona Dita" toda vizinhança era convidada e muitos iam. “Nos próximos verões haverá uma ausência na praia e no azul do mar”. Coincidência, no dia 09 de março, na hora do almoço, refletimos juntos uma crônica que falava de idas e voltas e esperas, e também de mar, publicada no jornal católico Boa Notícia. Como heroína, venceu várias lutas, crises, sofrimentos, perdeu um filho, derrames, paradas cardíacas, renasceu várias vezes, e contou-me como era o outro lado. E hoje nesse dia 10 de março de 2009, eu sei quem lhe esperou do lado de nosso Deus.

Amigo leitor, perdoe-me pela minha emoção e lágrimas, pois quem perde uma mãe sabe do meu sentimento, mas uma crônica em homenagem à minha mãe seria eterna. Com o coração sofrendo nessa manhã cinzenta vou tentar sorrir, pois sei que é o que ela quer.

A cada ano, cada mês, cada semana, cada dia, nós filhos, netos, sobrinhos, amigas, lembraremos, na certeza de que seus atuais e futuros descendentes poderão dizer: “Tenho orgulho de ter em mim o Sangue de Benedita Cabral”.

Até breve, minha querida Mãe.

Por fim meus amigos, vá ate a casa de sua mãe, o mais rápido possível. Beije-a com muito carinho... Se você a sim o fazer... Tenha a certeza. És a pessoa mais feliz do mundo.

Reinaldo Cabral
Enviado por Reinaldo Cabral em 14/03/2009
Reeditado em 14/03/2009
Código do texto: T1486563