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          Poesias Poemas
 
        Agora que Sinto Amor
Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira. ...
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
                                               (Alberto Caeiro)
 
Jô - Originalíssimo, semigenial - só que parece inacabado, ou melhor, ainda um super-rascunho. 
 
  

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Rosa Ramos
                                      
          12 POEMAS DE ROSA RAMOS 
          www.mallarmargens.com
          Revista de poesia e arte contemporânea
 
Comentário do Jô sobre alguns dos “12 Poemas”:
 
“Escatológica em declive métrico”
Este trabalho lembra a poética de Augusto dos Anjos. É esteticamente nojento! Incomoda! Lê-lo dá uma aflição...
Todavia se trata da expressão honesta do mundo verbal de Rosa Ramos, que descreve a cena com vivacidade trêmula. Os ratos, as baratas, o visgo, o morto e a morte custam a nos abandonar, após sua leitura.
O ambiente descrito é tão contaminador, tão nocivo, tão corrosivo que justifica o verso-antítese:
“Se há vida, mata!”
 
 
 
“Amiga”
Rosa canta, aí, a simplicidade da vida, o estar e o passar das coisas corriqueiras – tão, que raramente as reparamos.

E canta a surpresa súbita de descobrir-se viva e forte, atuante no mundo. Canta é pouco: celebra. Louva. Louvor quase invisível...
Por exemplo:
“simplesmente estar vivo
e não ter dores”.
 
Ela deixa aí a noção exata do tempo e do espaço habitados: auroras, altas horas, sol, ritos, vida afora...
E arremata, finaliza o poema com versos onde a água fresca respinga da memória; e ainda (como uma concessão, uma dádiva da natureza) nos mata a sede. Como se matar a sede (ato vital) fosse apenas acrescentado, isto é, como se o importante, aqui, fosse a memória. Interessante solução lírica.
Confira-se:
“Simples como beber água fresca da moringa
que respinga da memória
e nos mata a sede
ainda.”
 
 
 
“Em torno de um (ou dois) poemas”
Este poema reflete a luta básica, cotidiana do escritor para expressar-se. Narra o esforço da expressão para conseguir se realizar, firmar-se na folha de papel, aparecer.
A poetisa, no decorrer dessa narração, aponta e esclarece alguns aspectos desse processo de criação. Vejamos:
“Não há linha melódica que equilibre
o andamento do primeiro gesto
ao mais recente.”
 
Note-se a conotação entre a corda do equilibrista/trapezista, o seu fundamental equilíbrio e a sua evolução sobre o abismo: “linha melódica”, “andamento”, “primeiro gesto” (primeiro passo)...
Termos esses que guardam semelhança com a angústia e a coragem da ousadia escrita: ou se arrisca tudo, ou não se produz literatura alguma!
 
“poema que adoeceu”
“[poema que é] semente”
etc.
 
Abordagem original do fazer literário, alertando e até celebrando a noite misteriosa da criação, “conditio sine qua non” à perfeita expressão artística. Exemplos disso: “útero”, “estufa”, “peito oco”: todos ambientes fechados, negros...
Um fragmento exato a respeito é:
“a palavra, o Verbo, não se completa
na claridade.”
 
E finalmente, os dois versos plenos de necessária noite, proféticos e orientadores:
“É preciso anoitecer
para salvar-se.”
 
 
 
“Odores”
Este poema trata de odores onde não caberiam, em tese, odores. Só que literariamente tais fragrâncias não apenas cabem, como se encaixam e harmonizam sublimemente, inteligentemente.
Essas imagens, onde se mesclam sentidos como o tato, o olfato, a visão e a audição se denominam sinestesias. Transcrevo algumas, bastante sugestivas, atraentes e bem expostas:
 
“posso ouvir esse perfume ardente
soando as notas (...)” (versos 1-2)
 
“as notas [musicais] mais leves com cheiro de tabaco” (verso 5)
 
“aroma ruidoso” (verso 11)
 
“os sentidos todos em suspenso” (último verso)
 
“no coração, o odor das rosas” – este verso parece tornar tão divino o perfume das flores, que atinge até o coração dos homens, nele se instalando para reinar em felicidade...



“Duo”

Drama narrado através da brincadeira da poetisa com as palavras, tão travessas quanto ela. Autêntica dança lírica. Lembra até o Soldadinho de Chumbo e a Bailarina, ele cheio de afeto e ela receptiva a tal afeto. Ele aflito, ela lânguida.
Provas desses gestos lúdicos de Rosa Ramos com as palavras: “etéreo instante”, “vácuo de amor” e “passos de pânico”.
 
Imagine uma marionete que se compraz, que ama ser marionete, para “marionetar”, para dançar, bailar perdidamente: temos aí o nosso Funâmbulo. E apaixonado. Cria até uma tragédia e entra nela:
“O trágico
funâmbulo
desmaia.”

 

                                Conclusões:
Rosa não escreve bonitinho, para amadores ou sonhadores. Verbo bruto. Sem luares românticos. Sem bondades estupendas. Apenas acenos secos, áridos, desérticos – e no entanto musicais.

Trabalho bom esse seu, bordando vocábulos inteligentemente, fornecendo-lhes mais alma, sentidos ocultos e ampla liberdade para nos dominar "tão docemente" (cf. Camões).
Resultado: uma renda multicolorida e com ofuscantes significados, todos cativantes. Parabéns, Rosa!
  


                    Dados Biográficos da Autora
Rosane Ramos é carioca de 1955. Assina Rosa Ramos. Publicou poemas em jornais (Panorama da Palavra, Poiésis, de Petrópolis) e na Revista Poesia Sempre (Biblioteca Nacional, Ano 7, número 10), além de participar das antologias Sete Vozes (Editora da Palavra, 2004) e Poema de Mil Faces (org. Paulo de Toledo, 2012., online).


 
                               ***

               Experimentação poética 
                    

Mesmo sem entender
o movimento dos corpos,
o equilíbrio do homem no arame,
a exatidão de planetas e galáxias,
a mulher que se dobra dentro da caixa,
o salto preciso da pantera,
a sensualidade do capoeira,
o torcer dos dedos quando se espera,
o arriscar-se estar à beira de um abismo,

desejo a dança do amor mais que o amor,
a festa dos corpos se movendo em atrito,
prazer é isto.
 
Não, não se trata de nenhum superpoema. Porém de algo escrito com honestidade e uso inteligente dos meios literários disponíveis na sua mente e no seu coração, naquele momento. Nada romântico ou desesperado. Nada insólito ou previsível. Mas ainda assim contendo surpresas gráceis, dóceis, práticas.
Rosa parte de uma enumeração extensa de atos/situações diversas, durante os nove versos iniciais, e chega aos três últimos, perfazendo uma reviravolta temática:
"desejo a dança do amor mais que o amor
 a festa dos corpos se movendo em atrito,
 prazer é isto."
 
A rigor, esse final contrastante se adequa aos argumentos anteriores, respaldando-os - e do todo surge o sentido coerente do conjunto. 

 
 
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                      Walt Whitman
 
 
                              
                William Shakespeare

 
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 03/11/2013
Reeditado em 22/11/2013
Código do texto: T4555124
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