SESSÃO DE SAUDADE EM HOMENAGEM À ACADÊMICA JASMÍNEA BENÍCIO DOS SANTOS MIDLEJ

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“Alma minha gentil, que te partiste

tão cedo desta vida, descontente,

repousa lá no céu eternamente.

E viva eu cá na terra sempre triste!!”

(Luiz de Camões)

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JASMÍNEA BENÍCIO DOS SANTOS MIDLEJ, poetisa, nasceu no dia 25 de março de 1922 e faleceu no dia 03 de julho de 2016

Quinta dos 11 filhos do casal Francisco Benício e dona Loura, Jaó nasceu em Itabuna. Segundo relato de seu pai era uma menina muito linda, razão pela qual ele, inspirado, denominou-a Jasmínea “de jasmim”. Seus irmãos mais velhos foram Marília, Sílvio, Franlaide e Adélcio. Depois vieram Dirceu, Francisco, Pio, Itazil, Nélia e Oscar.

Jasmínea foi Formada em Secretariado, também formou-se em Educação Musical. Tocava Piano. Na década de 1950 fez parte da Orquestra Sinfônica da Bahia onde tocava violino. Jasmínea é membro de uma família de literatos: seu pai, Cel. Chico Benício, desbravador da região foi um grande historiador, com publicações póstumas, sua irmã Marília publicou 3 livros de crônicas, novelas e contos, seu irmão Oscar contou em versos parnasianos a saga do cacau no livro CACAU EM VERSOS lançado pela Editus, e seu irmão Itazil figurou no quadro de membros efetivos da Academia de Letras da Bahia-ALB).

Jasmínea, teve cinco livros publicados: “A vida cantada de Francisco Benício”, “Minha Rosa Vermelha”, “Devaneios e Saudade”, “Senhoras de Itabuna que se destacaram socialmente” e “Personagens Populares que marcaram o dia a dia de Itabuna”.

Foi membro efetivo da Academia Grapiúna de Letras (AGRAL) e ocupou com muita dignidade a Cadeira 24, que tem como patrono Jorge Emílio Medauar.

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Eu me tornei amiga da Jaó a partir de 2010 quando criei o site ITABUNA CENTENÁRIA e procurava na Internet a autora do livro de crônicas ‘CARROSSEL’, Marília Benício dos Santos; alguém me deu uma dica, eu telefonei, marquei uma visita e fui à casa da escritora situada à Rua Barão do Rio Branco. Não foi necessário tocar a campainha; a porta da casa construída pelo pioneiro de Itabuna Francisco Benício dos Santos já estava aberta a nossa espera. Uma mocinha simpática anunciou: dona Jaó, temos visitas. Em poucos segundos surgiu à nossa frente duas belas e finas senhoras. Minha acompanhante que já as conhecia, pois há alguns anos havia morado na mesma rua disse-me discretamente: a mais velha é Marília, a morena é Jasmínea!

Gente, enfim eu estava frente a frente com a minha escritora predileta, Marília! – minha escritora predileta, que eu nem ao menos sabia se ainda era viva.

Eu a abracei e ela com naturalidade retribuiu esse abraço. Parecia já me conhecer. Jasmínea, sua irmã nos saudou com educação e deferência de grande anfitriã. Mas eu não me demorei falando com Jaó, que logo encetou uma conversa animada com minha acompanhante a quem já conhecia. Bom pra mim.

Meu interesse ali era Marília e ela me olhava suavemente por trás de óculos enormes. Aquele cabelo cinzento, curto, ralo, bem penteado... Em menos de dez minutos acho que abracei Marília umas cinco vezes e ela aceitava o meu gesto sem estranhar como seria natural. Quebrando o encanto, Jaó nos ofereceu um chá. Marilia subiu as escadas nos convidou e nós a seguimos; Jaó subiu logo atrás com sua xícara fumegante. Notamos que a extremidade de cada degrau era ornado com uma peça antiga (campainha, vasos de ferro ou bronze, até um estribo de montaria em metal). Lá em cima havia uma mistura bem organizada do antigo e do moderno, tudo muito limpo e sem aquela escuridão que sempre existe em casas antigas. Na verdade o interior da casa das Benicio dos Santos é bem moderno com toques do passado. Piso das salas e escadas em mármore, janelas tipo basculantes em alumínio. Somente algumas peças da mobília, os estreitos corredores e a fachada fazem lembrar uma construção antiga. Sentamo-nos defronte a uma estante meio desarrumada, sinal que os livros ali não estavam só como adorno. Conversamos sobre livros e autores, as irmãs responderam todas as nossas perguntas e serviram um lanche.

Hoje eu moro aqui com Jaó, porque é necessário, só temos uma à outra, disse-me Marília.

E Jaó passou a conversar comigo. Contou-me que a irmã Marilia desejava muito ir para um convento, ser freira, mas teve seu plano frustrado pelo pai que a chamou e perguntou-lhe: filha, o que foi que eu te fiz? Por que queres nos deixar, ir-se esconder num convento? Poderás servir a Deus aqui mesmo, do nosso lado. E sua irmã Marília não mais tocou no assunto...

Jaó mostrou-me o seu álbum do casamento com Maurício Manuel Midlej, o grande amor de sua vida, disse-me que ele se foi muito cedo. Eu percebia a emoção daquela mulher a cada página do álbum que eu virava. Ela casou-se em 1968, usando um vestido curto, branco, com gola rolê, trazia por véu uma mantilha florida, branca e nas mãos um rosário, tinha os cabelos num corte Chanel, pouco acima dos ombros; explicou-me que se casara nesta simplicidade devido ao sentimento pelo falecimento de sua mãe há um ano.

Antes de descermos as escadas, Jasmínea nos mostrou o restante da parte superior daquela bela casa. Quartos com camas enormes de casal em ferro pintado de branco, tendo cabeceiras e pés quase na mesma altura (aproximadamente 80 cm) e toda enfeitada de flores trabalhadas também em ferro, uma obra de arte. Disse-me Jaó que essa cama pertenceu aos seus avós; a cama do segundo quarto tinha as mesmas características, exceto as rosas. Esta cama foi dos meus pais, disse-me.

Marília deu-me seus dois últimos livros de crônicas e novelas e Jasmínea presenteou-me com os livros MINHA ROSA VERMEHA e DEVANEIOS E SAUDADE, com dedicatórias e autógrafos.

O Livro “Devaneios e Saudade” é dedicado ao falecido esposo, Maurício, a quem se refere carinhosamente como ‘meu Gringuinho’. É uma riqueza em ternura e tem dois prefaciadores de peso. Abro aqui um parêntese para citar fragmentos dos prefácios:

“Quão belo e agradável seria ao habitante deste mundo cruel e avaro de pureza sentir, vivenciar, ao menos nas cercanias, o dulcíssimo sentimento de Jasmínea e Maurício, pois, certamente não auferiria os abrolhos da cizânia mas o cadinho paradigmático do lídimo Amor Inefável...”.

Carlos Eduardo Lima Passos da Silva

Da Academia de Letras de Ilhéus

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“O atraente na poesia de Jasmínea não está somente na técnica da redação, no estilo e na forma, mas, principalmente, na suavidade da mensagem remanescente da saudade e do amor, refletindo o lado plangente do ser humano, os momentos em que a alma se transparece da pureza original...”.

Ariston Caldas

Também foram prefaciadores dos demais livros da Jaó os jornalistas Ottoni Silva e Ramiro Aquino e o historiador e pesquisador professor João Cordeiro de Andrade.

(fecho o parêntese)

Assim eu e Jaó nos tornamos amigas/irmãs.

Eu sempre a visitava e saíamos para um sorvete no Danúbio, uma tapioca no Café Pomar ou uma torta no Shopping Jequitibá. Levei-a numa loja e compramos seu Notebook, lhe ensinei o básico em computação e ela criou alguns arquivos com suas poesias, e andou se comunicando com amigos e parentes pelo Facebook, porém não se entusiasmou tanto; Jaó gostava mesmo era de jogar buraco com as amigas, sorvendo o delicioso chá preparado por ‘dona Tidinha’ a serviçal de muitos anos a quem considerava sua grande amiga; Jaó gostava e preferia a conversa ao vivo, olho no olho. Pena que os amigos dispunham de tão pouco tempo...

Ela herdou do pai o amor e devoção por Nossa Senhora do Rosário e todos os anos celebrava o “mês de Maria” na sua casa.

Sempre me convidava para um almoço, reunia as amigas, algumas, amigas de juventude, muitas, Senhoras de Caridade como ela; Todas as tardes recitava o Terço do Rosário com a irmã e eu sempre que podia as acompanhava. Nas novenas do Natal ela coordenava, puxava os cânticos e dedicava a noite à família de alguma das amigas; nesses eventos sua casa estava sempre cheia. No seu aniversário, sempre tinha um bolo para a gente cantar ‘parabéns pra você’... E Jaó era feliz.

Quando sua irmã adoeceu, Jaó ficou menos alegre, mas passava a maior parte do dia falando com ela, orientando os cuidadores, dissimulando a dor de não mais contar com a mana que vivia armando estripulias para provocá-la. Permaneceu de pé, ingente guerreira, quando Marília morreu.

Valente, ela não se entregou à depressão quando foi diagnosticada com câncer; fez cirurgia, voltou para casa animada e viveu na esperança do milagre; ela que não teve filhos amava seus sobrinhos, principalmente a sobrinha/filha Luciana, que reside em São Paulo e pelo menos duas vezes por ano a levava para um passeio por lá. Também gostava de passar temporadas na fazenda do seu irmão Oscar. Amava os amigos e cobrava-lhes visitas.

Dez dias antes do São João 2016, tendo conhecimento de que Jaó não estava bem, meu coração me disse que eu deveria visitá-la e fui com duas amigas à fazenda onde ela se encontrava. Foi uma festa, ela nos esperava e ficou muito alegre; tiramos muitas fotos; Jaó gostava de tirar fotos. No final da tarde nos despedimos de Jasmínea que descansava na cama. Quando já saíamos da casa eis que ela aparece na porta, sorrindo. Amparada pelo irmão e pela cuidadora caminhou em nossa direção, fronte erguida, sem pronunciar palavra, apenas sorria.

E eu tirei a última foto de Jaó e senti que não mais veria a minha amiga nesta vida...

17 dias depois Jasmínea Benício dos Santos Midlej repousou do cansaço deste mundo cercada pelas buganvílias da Fazenda Guanabara.

Hoje, a Academia Grapiúna de Letras –AGRAL dedica esta “sessão de saudade” a você, Jasmínea Benício dos Santos Midlej.

Descanse em paz, Jaó!

Eglê S. Machado

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SAUDADE

Como esquecer este grande amor,

Se ele transformou todo o meu ser?!...

Tudo que me cerca traz-me uma grande dor,

A dor da saudade que em vão procuro esquecer!...

Olho a natureza e vejo só você!

Lendo um romance ou biografia,

Ouvindo uma linda música, tudo me extasia,

Pois meu pensamento está sempre em você!...

A música, os livros, a natureza, tudo enfim,

Traz-me uma grande saudade,

Há uma saudade imensa dentro de mim!!!

Jasmínea Benício Midlej

Salvador, 13/11/1949.